“Jurassic World: Domínio” usa nostalgia para camuflar displicência

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Se existe mesmo a sina do terceiro filme (sobretudo quando se trata  do desfecho de uma trilogia), “Jurassic World: Domínio” foi acometido dela. Finais de trilogia costumam pecar pela pressa para concluir arcos, personagens importantes inexplicavelmente apagados e resoluções pouco satisfatórios. Isso já era esperado que viria no pacote do ato final dessa que pode ser considerada a trilogia sequel de Jurassic Park (ou seria a trilogia do meio?) iniciada com “Jurassic World: Mundo dos Dinossauros”, continuada por “Reino Ameaçado”. Mas o que se pode ver na produção é que os problemas vão além..

Quatro anos após a destruição da Ilha Nublar, os dinossauros agora vivem – e caçam – ao lado de humanos em todo o mundo. Esse frágil equilíbrio pode remodelar o futuro e determinará, de uma vez por todas, se os seres humanos continuarão sendo os principais predadores em um planeta que agora compartilham com as criaturas mais temíveis da história em uma nova era.

O mote, por mais que esbarre no absurdo e soe um pouco forçado, é coerente com o que fora plantado pelos filmes anteriores da franquia. A questão proposta no argumento renderia pelo menos mais três longas se explorada sagazmente. Nas mãos do chefe Steven Spielberg (que apenas assina a produção executiva dessa trilogia derivada de seu clássico) indubitavelmente renderia um filme, se não brilhante, pelo menos divertido. Ocorre que a história caiu nas mãos de Colin Treverrow, diretor de Mundo dos Dinossauros reassumindo a direção deste, além de assinar o roteiro junto com Emily Carmichael (do curta “Jurassic World: A Batalha de Big Rock”). E por algum motivo para o qual não há explicação aparente, resolveram não seguir o que foi indicado tanto no final do filme anterior quanto na recapitulação (um pouco desnecessária) no início do filme.

Lembra-se das reclamações em relação ao holofote dado às questões dos personagens humanos em Godzilla de 2014? Se você esteve nesse coro dos descontentes, prepare-se para bradar nesse episódio da saga jurássica. Dinossauros são apenas um enfeite e um chamariz barato. O filme definitivamente não é sobre eles. Inclusive joga no lixo uma chance de debater as consequências extremas causadas pela brincadeira de Deus, que terminou por colocar as duas espécies dominantes do planeta em momentos distintos coexistindo.

Na verdade chega um certo momento em que o espectador pode se perguntar sobre o que é a trama. E também fica a sensação de que qualquer coisa pode aparecer no caminho traçado por esse roteiro mal costurado, no qual até as cenas de ação acabam padecendo por serem inseridas de forma tão mal ajambrada.

O diretor e a corroteirista parecem ter se imbuído dessa onda de multiversos que grassa nos filmes de super-heróis, em que o que vale é arremessar o máximo de elementos na tela e participações especiais para emocionar as plateias, ainda que uma emoção premeditada. No contexto de “Domínio”, o equivalente aos três Aranhas não era nenhum mistério, pois o trailer já avisava. Temos de volta Dr. Alan Grant, Dra. Ellie Sattler e Dr. Ian Malcolm juntos pela primeira vez em quase 30 anos. Jurassic Park realizou o desejo dos fãs ao contrário de Star Wars que não reuniu Han Solo, Luke Skywalker e Princesa Leia na última trilogia.

No entanto, os personagens em “Jurassic World: Domínio” são reintroduzidos de uma forma equivocada, e seu desenvolvimento na trama os deixa quase que irreconhecíveis. A franquia nunca teve como ponto forte a construção dramática de seus personagens, mas o que fizeram com Sam Neill, Laura Dern e mesmo com o galhofeiro Jeff Goldblum beira o escárnio. As referências ao filme de 1993 e piadinhas internas relacionadas à franquia podem até arrancar um risinho de canto de boca de alguns, mas até elas acabam se empalidecendo diante do (mau) tratamento dado aos veteranos, praticamente reduzidos a alívios cômicos.

Chris Pratt segue fazendo Owen como a sua versão mais jovem e anabolizada de Dr Grant, enquanto Bryce Dallas Howard tenta dar alguma dignidade a sua Claire, uma personagem que já nasceu problemática. O vilão Lewis Dogson, personagem do longa original que realizou seu sonho perverso, agora é vivido por outro ator, Campbell Scott. Ele compõe adequadamente essa versão maligna de Steve Jobs. Já o Ramsey Cole de Mamoudou Athie e a piloto mercenária Kayla, vivida por DeWanda Wise (que até confere um certo carisma) são ferramentas que funcionam para alavancar algumas dentre as várias conveniências de roteiro.

Colin Trevorrow na direção parece mesmo governante em fim de segundo mandato. Se no filme de 2015 – que, apesar de alguns problemas estruturais narrativos, reintroduziu a franquia competentemente – ele soube recriar, em parte, a magia do longa que deu origem à série, aqui ele parece estar apenas cumprindo tabela.

Se tem algo que “Jurassic World: Domínio” que valha o ingresso são os efeitos especiais. Isso é real, pois desde o primeiro filme os dinos não apareciam de forma tão impactante. A combinação de um excelente trabalho de CGI com efeitos práticos surtiu um efeito que se aproxima do assombro causado há quase trinta anos, com o detalhe que hoje esses efeitos estão banalizados, e a equipe conseguiu impressionar. Vale também ressaltar a bela trilha sonora de Michael Giacchino, que se mostrou digno do posto de substituto de John Williams na franquia.

Ao que tudo indica, é possível que venham novos filmes. Daí, os fãs podem ficar tranquilos, pois mesmo que não venha uma continuação (só a bilheteria vai determinar), haverá um reboot antes mesmo do que esperamos. A franquia merece uma nova chance depois do desfecho tão displicente desse segundo arco. O velho sortilégio de se valer da nostalgia para camuflar a falta de esmero ao trabalhar um produto querido por fãs, dessa vez não funcionou.

Nota: Regular – 2,5 de 5 estrelas

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