“Falem mal, mas falem de mim!”. Este parece ser o lema do diretor dinamarquês Lars von Trier. Desde que descobriu que a polêmica o ajudaria a se tornar ainda mais conhecido, o cineasta não tem decepcionado e feito seus projetos serem tão aguardados quanto blockbusters graças ao seu talento de causar controvérsia, seja por suas declarações bombásticas (como sua admiração pelos nazistas, durante a divulgação de “Melancolia” no Festival de Cannes de 2011) como pelos temas escolhidos para seus filmes. Portanto, não foi surpreendente quando ele anunciou o título de sua mais recente produção se chamaria “Ninfomaníaca” e que teria, originalmente, cinco horas e meia de duração!
Para a alegria de todos os envolvidos, Von Trier voltou atrás e permitiu que a história fosse dividida em duas partes, para garantir o financiamento e uma distribuição mundial. Em janeiro, foi lançado o começo da história no Brasil. Apenas dois meses depois, os brasileiros poderão assistir o desfecho em “Ninfomaníaca: Volume II” (“Nymphomaniac: Vol. II).
O filme começa exatamente de onde parou a primeira parte, com a continuação dos relatos de Joe (Charlotte Gainsbourg) sobre sua vida para Seligman (Stellan Skarsgård), divididos em três capítulos. O primeiro, chamado de As Igrejas oriental e ocidental (O pato mudo), mostra o desgaste do relacionamento de Joe e seu amante Jeróme (Shia LaBeouf), levando-a procurar novas experiências para voltar a sentir prazer, o que acaba encontrando com K (Jamie Bell), um especialista em sadomasoquismo. O problema é que, agora mãe de uma criança, Joe vai perceber que este novo estilo de vida pode machucar as pessoas ao seu redor.
No segundo, O Espelho, ela tenta se livrar de sua sexualidade, chegando a frequentar grupos de autoajuda, onde é obrigada a negar o que realmente é. Numa das cenas, por exemplo, a líder do grupo chega a pedir que ela não diga que é uma ninfomaníaca, mas sim uma “viciada em sexo”. No último, “A Arma”, Joe entra em um negócio obscuro, comandado por L (Willem Dafoe), onde utiliza suas habilidades sexuais para conseguir muito dinheiro e se torna bastante valiosa. Até que, um dia, é convencida a cuidar da jovem P (Mia Goth), para que ela se torne sua sucessora.
O que chama a atenção em “Ninfomaníaca: Volume II” é que, embora o filme possua fortes cenas eróticas (acredite, são muitas), von Trier quer discutir algumas questões da mulher na sociedade. Embora Joe apresente falhas que vão além de sua compulsão sexual, ela também representa para o diretor o inconformismo de estar presa a parâmetros que lhe foram impostos pelo mundo em que vive.
Além disso, é interessante mostrar que o diretor não é tão mau humorado quanto pareceu em outros filmes, chegando a realizar uma cena envolvendo a protagonista e dois africanos durante uma transa, que fica surpreendentemente engraçadíssima. Porém, em alguns momentos, o cineasta se perde em suas discussões existencialistas, chegando a causar um certo tédio para quem assiste, o que é uma pena.
Outro destaque em “Ninfomaníaca: Volume II” está em seu elenco. Charlotte Gainsbourg mostra que não tem mesmo pudores para fazer qualquer cena mais ousada, chegando ao ponto de permitir ser espancada violentamente diante das câmeras e parece ter se tornado a nova musa do diretor. Jamie Bell surpreende com seu estilo frio para interpretar seu personagem e nem de longe lembra o que já fez anteriormente, como em “Billy Elliott”. A modelo Mia Goth (que tem pais canadenses e brasileiros) usa o tom certo de ingenuidade e sensualidade e também chama a atenção. Stellan Skarsgård é bem competente, como geralmente faz com seus papéis, assim como Willem Dafoe, que infelizmente aparece pouco. Já Shia LaBeouf, entretanto, não pareceu ser a melhor escolha para ser Jeróme. O ator, mais preocupado em criar factoides que podem implodir sua carreira, falha em tornar genuína a angústia que passa quando percebe que sua companheira pode estar lhe traindo.
Como na maioria dos filmes de von Trier, “Ninfomaníaca: Volume II” não é para todos. O número de pessoas que vai amar este segundo capítulo é, provavelmente, o mesmo que vai odiá-lo ao fim da sessão. Tem até quem vai achar que a produção é pornografia disfarçada de “filme cabeça”. Mas isso apenas reduz a discussão que o cineasta se propôs a fazer. Portanto, deixe a ousadia te levar e dê uma chance a Joe e sua jornada.
Na verdade Jerome incentiva a esposa a ficar com outros homens. Vide a metáfora do tigre.