Quando subiu ao palco do Dolby Theater, em 2013, para pegar seu Oscar de Melhor Filme por “Argo”, Ben Affleck havia conquistado ali sua tão desejada redenção em Hollywood. Afinal, o ator, diretor e roteirista havia sido posto de lado após uma série de filmes que foram fracassos de público e crítica (cujo “ponto alto” foi o pavoroso “Contato de Risco”, que fez ao lado da então namorada Jeniffer Lopez, em 2003). Porém, atrás das câmeras, Affleck começou, discretamente, a se tornar um diretor interessante e capaz de conduzir bem seus projetos, como em “Medo da Verdade” (2007), seu primeiro longa como cineasta e estrelado pelo seu irmão (e vencedor da estatueta dourada de Melhor Ator deste ano) Casey Affleck, e “Atração Perigosa”, de 2010.
Com o respeito readquirido, a situação mudou para Affleck, que voltou a ser requisitado para papéis importantes no cinema como ator, ganhando, inclusive, a chance de ser o novo Homem-Morcego em “Batman Vs Superman: A Origem da Justiça” e nos próximos filmes do universo que a DC Comics/Warner quer criar da mesma forma que a sua rival, a Marvel Studios, junto com a Disney. Além disso, ele também teve força para tocar um projeto mais ambicioso, em que não só estrelaria, como também dirigiria e escreveria o roteiro, para provar que o que aconteceu com “Argo” não foi um acaso.
Embora não chegue à excelência de seu filme anterior, “A Lei da Noite” (“Live by Night”, 2016) é muito bem realizado, com um bom trabalho de câmera, boas sequências de ação, uma história que mantém o interesse boa parte do tempo e um ótimo elenco, que qualificam a produção positivamente e merece ser descoberto pelo público.
Ambientada em 1926, a trama é centrada em Joe Coughlin (Ben Affleck), um veterano da I Guerra Mundial que decide se tornar um fora da lei, apesar de ser filho de Thomas Coughlin (Brendan Gleeson), superintendente da polícia de Boston. Ele se envolve com o submundo da cidade e faz o possível para não ser tão cruel quanto os mafiosos e bandidos com quem tem que lidar.
Uma reviravolta em sua vida o faz deixar Boston para cuidar dos negócios do gângster Maso Pescatore (Remo Girone) em Tampa, na Flórida, especialmente o contrabando de bebidas em pleno período da Lei Seca, sempre ao lado do parceiro Dion Bartolo (Chris Messina), e os dois acabam prosperando. O caminho de Joe acaba se cruzando com o de várias pessoas, como o chefe de polícia Figgis (Chris Cooper), sua filha Loretta (Elle Fanning) e Graciela Suarez (Zoe Saldana), com quem acaba se envolvendo. Só que uma questão do passado volta a assombrá-lo e Joe terá que saber como resolver o problema, além de pessoas que querem tirá-lo do jogo de qualquer maneira.
Na parte técnica, “A Lei da Noite” é realmente uma produção muito bem cuidada, com um ótimo acabamento. Vale destacar a bela fotografia do premiado Robert Richardson (de “JFK: A pergunta que não quer calar”), que usa cores quentes para dar mais intensidade ao calor proporcionado por Tampa, enquanto que as cenas em Boston são mais azuladas, dando um aspecto mais frio. A edição de William Goldenberg (de “Argo” e pelo qual ganhou o Oscar) também desperta o interesse, especialmente numa sequência de perseguição de carros e também na parte final. O figurino de Jacqueline West (“O Regresso”) é bem feito e transmite bem a elegância dos anos de 1920. A trilha sonora de Harry Gregson-Williams, que mistura elementos clássicos com a música que tocava em bares daquela época, também consegue se sobressair.
Mas a pergunta que muitos devem fazer é: E Ben Affleck ? Ele se sai bem nas três funções que acumula? A resposta é: Em apenas duas delas. Como diretor, o astro se mostra cada vez mais consistente, embora perca um pouco a mão no início, enchendo a tela de informações de forma um pouco apressada, o que pode deixar o espectador confuso para entender tudo o que está acontecendo. Mas, após a primeira parte da história, Affleck parece encontrar o ritmo certo para conduzir a trama e consegue envolver o público. Já como roteirista, ele volta a adaptar um livro de Dennis Lehane, que inspirou “Medo da Verdade” (além de filmes como “Sobre Meninos e Lobos” e “Ilha do Medo”) e consegue fazer um bom trabalho, com diálogos que não soam falsos ou sem sentido, ainda mais com os diversos assuntos que tem que condensar em um único universo.
No entanto, o Affleck ator fica bem abaixo do esperado e tem uma atuação um pouco robótica demais para um personagem tão interessante quanto Joe Coughlin. A performance dele fica ainda mais opaca se colocarmos na balança o trabalho realizado por boa parte do elenco. O competente Chris Cooper consegue tornar convincentes as contradições do Chefe Figgis, que fecha os olhos para a contravenção de sua cidade, mas se considera um homem íntegro e incorruptível.
Chris Messina está ótimo como o fiel escudeiro de Coughlin e dá alguma leveza para a parceria que faz com o seu companheiro. Brendan Gleeson marca presença como o durão pai do protagonista, especialmente numa cena que divide com Clark Gregg (o agente Coulson da série “Agentes da SHIELD”) e é uma pena que apareça pouco.
Destacam-se também o veterano Remo Girone, que confere austeridade ao mafioso Maso Pescatore, e Matthew Maher, que realmente intimida como como o instável e preconceituoso RD Pruitt, que se torna uma pedra no sapato de Joe.
Entre as mulheres, apenas a jovem Elle Fanning se sobressai, graças às mudanças que sua personagem passa no decorrer da trama. A atriz é bem sucedida, especialmente na forma que encontrou para modificar o olhar e o modo de falar. Já Sienna Miller e Zoe Saldana, que vivem os dois grandes amores na vida de Joe, são subaproveitadas e não fazem um trabalho mais marcante, o que é uma pena, já que as duas já mostraram anteriormente que são mais do que rostinhos bonitos.
Produzido por Leonardo DiCaprio, “A Lei da Noite” pode não ser o melhor filme da carreira de Ben Affleck como diretor. Mas revela que o ator está trilhando um bom caminho como realizador e tem tudo para desenvolver outros projetos que o tornem mais conhecido como cineasta do que como a versão do Batman mais cultuada atualmente (não que isso seja uma coisa necessariamente ruim). Vamos ver como ele se sai com sua próxima empreitada, que é um remake de “Testemunha de Acusação”, já dirigido pelo mestre Billy Wilder e inspirado num texto de Agatha Christie. Será que Affleck se sai melhor adaptando a dama do mistério? O tempo dirá.
Filme: “A Lei da Noite” (Live by Night)
Direção: Ben Affleck
Elenco: Ben Affleck, Elle Fanning, Chris Cooper, Zoe Saldana, Sienna Miller e Brendan Gleeson.
Gênero: Ação, Drama, Policial
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Warner Bros
Duração: 2h 09 min
Classificação: 14 anos
Comente!