Lincoln é visceral e fascinante

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Steven Spielberg há alguns anos não faz um filme digno de nota 10. Em verdade, são 15 anos sem um filme nota 10, que eu daria para “O Resgate do Soldado Ryan”. “Lincoln” chega para ser este filme nota 10 em todos os aspectos e, por mais que eu odeie usar o Oscar como termômetro, as 12 indicações ao prêmio demonstram que o filme foi marcante para a academia e para os críticos. Mas, por que disso tudo?

Lincoln em verdade é um drama histórico, daqueles que levaram Spielberg a seu ápice como diretor e, diferentemente do fracasso que foi “Cavalo de Guerra”, ele soube criar uma atmosfera de pura genialidade e sensibilidade, em um período histórico conturbado para os EUA e, porque não, para todos os países ocidentais. A primeira coisa que salta aos olhos é a escolha de centralizar a história no período que leva a abolição da escravatura nos EUA e o fim da Guerra Civil norte americana.

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Para alguns, o filme é taxado como americanista demais, contando fatos históricos que dizem respeito apenas a eles e só. Não é bem por aí. A aprovação da 13ª emenda a Constituição Americana permitiu total e plena liberdade aos mais de 4 milhões de negros escravizados no país, bem como o começo das igualdades de direitos entre negros e brancos. O filme não tenta mostrar que os EUA foram quem começaram com a abolição da escravatura no mundo e nem poderiam, a própria revolução francesa fez isso em 1794 e outros, como o Marques de Pombal em 1761, em Portugal, já haviam tomado tais providências. Aqui, o aspecto abolitório é claro e tem uma intenção: cortar o último poderio econômico dos confederados com o fim de terminar a guerra de secessão.

Os bastidores políticos, em momentos de crise, as decisões tomadas sob pressão, a corrupção da compra de votos e os discursos que se modificam conforme a necessidade, tudo isso é mostrado no decorrer do filme. Não vemos um filme americanista, vemos a descrição de um verdadeiro estadista, um homem que não tem medo de agir e tomar certas atitudes pensando na sua futura reeleição como a grande maioria dos políticos. Mas sim, um homem que, um ano e meio antes de concorrer a reeleição, em período de guerra, acima uma declaração de emancipação de todos os escravos do norte, libertando-os para, entre outras coisas, os colocar para lutar nos exércitos que batalhavam sangrentamente pela unificação de um país.

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Abraham Lincoln agiu como tinha de agir, manipulou o poder e os fatos, mentiu quando tinha de mentir e cativou a todos por seu carisma e seus discursos muito bem elaborados. Ele não é mostrado como perfeito. Seu casamento estava falindo, um de seus filhos havia morrido há pouco tempo, seu filho mais velho não se entendia com o pai, seus aliados republicanos nem sempre confiavam nele e em suas idéias e seus adversários do congresso chegaram a anunciar que o mesmo queria ser imperador perpétuo dos EUA.

Enquanto no poder e em estado de guerra, decisões foram tomadas de forma imperiosa e, em dias atuais, de forma censurável. Decisões judiciais não eram respeitadas e em diversos momentos ele se declara como comandante supremo do país, o que se entende como imperialista. Para os críticos aos norte americanos, o filme poderá mostrar diversos aspectos que ajudarão a inflamar seus argumentos. E isso é bom. A história contada no filme mostra que até mesmo os grandes estadistas tiveram que sujar suas mãos, seja com o sangue de soldados, seja com o verde do dinheiro e da corrupção. O filme foi feito para bater um pouco na imagem do político perfeito e incólume.

Não temos de ser ingênuos a ponto de não ver que este é aquele típico filme norte americano de final de ano que aguarda ansiosamente pelo menos uma dezena de indicações ao Oscar mas, ainda assim, há um cuidado imenso em todos os aspectos do filme, seja sua direção, direção de arte e cinematografia. O filme é belo como só Spielberg e sua equipe conseguem conceber. É uma beleza forrada por sombras e iluminação de velas e lampiões, cenas de campos de batalha colhados por corpos de jovens e silenciosas, com Daniel Day-Lewis em momentos de pura interpretação.

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Falando em Daniel Day-Lewis, muitos dirão que ele não foi impecável como Lincoln ,mas interpretação é muito mais do que expressões faciais e gestos. Sua expressão corporal era mostra disso. Lincoln, por ser muito alto, tinha sérios problemas nas costas e andava em alguns momentos meio entravado e curvado. Com a ajuda de Spielberg, o ator pode não só mostrar que fez sua tarefa de casa, mas também, que soube aproveitar cada oportunidade para mostrar seu olhar cativante ao mesmo tempo que criava um personagem que parece verdadeiro. Spielberg é um mestre dos detalhes e aqui nenhum ficou faltando. Os closes em momentos oportunos, seguidos por tomadas abertas expondo detalhes em cada canto da tela, muitas vezes tirando o foco do centro da atenção.

O elenco que inclui Sally Field, Tommy Lee Jones, Joseph Gordon-Levitt, James Spader e David Strathairn mostra enorme força e dedicação. Seja nos embates e discussões políticas, seja no silêncio de uma conversa com olhares entre amigos. Por muitas vezes vemos Daniel Day-Lewis se expressando apenas com o olhar, sem usar zoom em excesso, deixando que ele encare seus companheiros de cena e deixe que eles se manifestem da mesma forma. É delicadeza e sensibilidade em meio ao caos político que rugia em Washington naquele janeiro de 1865.

Como eu já havia dito no começo, a direção de arte e figurinos está impecável e eu sinceramente gostaria de ver esse grupo ganhar o Oscar pelos detalhes com que trouxeram a vida o século XIX nos EUA. A cinematografia de Janusz Kaminski, velho colaborador de Spielberg só tem melhorado com os anos e outro grande favorito a levar mais um Oscar. A trilha sonora de John Williams é mais incidental desta vez, não chamando tanta a atenção e sabendo se esconder nos momentos mais calmos, sem exagerar quando chamada. O tom do filme necessitava deste tipo de trilha e John Williams fez muito bem seu serviço.

Tendo tudo isto em vista, Lincoln é um filme que pode ser considerado ótimo, desde que você, como espectador, goste da hsitória norte americana e dos jogos de poder que ocorrem nos bastidores de nossas casas legislativas. Para os não fãs, ainda é um ótimo filme, mas que passará batido em suas vidas.

[xrr rating = 5/5]

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