No ano de 2024, um dos nomes mais conhecidos do cinema italiano faria 100 anos. Nascido em 26 de setembro de 1924 em Fontana Liri, Marcello Mastroianni é talvez o rosto mais famoso e amado da Sétima Arte feita na Itália. Fez sua estreia como figurante aos 15 anos e somou 148 créditos como ator. Foi indicado ao Oscar em três ocasiões e ganhou dois Baftas e cinco David di Donatello, premiação que ainda lhe concedeu dois troféus especiais, um pela carreira e um póstumo. Para prestar-lhe uma homenagem, foi escolhida a mulher que tem o mesmo rosto inesquecível: Chiara Mastroianni, filha do ator com Catherine Deneuve e protagonista de “Marcello Mio”.
“Tudo que é bom na vida é herança”, disse Nietzsche. Mas é o peso da herança que incomoda Chiara Mastroianni, o que fica bem claro quando a diretora Nicole Garcia, num teste de elenco, pede que ela interprete um papel “mais Mastroianni e menos Deneuve”. É mais do que um simples caso de insuportável peso do talento. É o insuportável fardo da fama dos antepassados.
A solução? Chiara se transforma no pai. Deixa os cabelos curtos, veste um terno, põe um chapéu e óculos. Fala italiano, tem um cachorro, bebe uísque… e pede que a chamem de Marcello. Alguns reagem mal à novidade, como o ator amigo Melvil Poupaud e a própria Deneuve, enquanto outros abraçam a estranheza, como o ator Fabrice Luchini, que se mostra animado com a possibilidade de protagonizar um filme com Marcello Mastroianni.

A intimidade de Mastroianni se descortina à nossa frente em meio a referências aos seus filmes. O íntimo é revelado especialmente por Deneuve, e mais um elemento de intimidade é adicionado à equação pela presença do ator Benjamin Biolay, ex-marido de Chiara.
O equivalente ao que é feito no filme, na literatura, é o que chamamos de autoficção. O termo teria sido criado em 1977, pelo teórico francês Serge Doubrovsky, para categorizar seu livro “Fils”, dizendo que “autoficção é uma variante pós-moderna da autobiografia”. Se não é como a autobiografia na literatura, no cinema não é como um documentário ou cinebiografia. Quase toda obra, poderia argumentar alguém, tem sua dose de realidade e ficção, muitas vezes tão misturadas que nem dá para separá-las, mas o que faz a autoficção – e o que faz “Marcello Mio” – é mais próximo da catarse psicanalítica que da simples homenagem, embora também funcione como uma.

Não é à toa que numa sequência perto do início Chiara apareça quase adormecida ao lado de um livro aberto cujo título é “A Imortalidade”. O filme que nos mostra como teria sido se fosse Marcello, e não Anita Ekberg, a entrar na Fontana di Trevi no meio da noite, é capaz de divertir, entreter e emocionar. Uma nepobaby em dose dupla, Chiara Mastroianni se garante por si só e aproveita sua incrível semelhança com o pai para prestar uma linda homenagem. Nas próprias palavras dela:
“Meu pai era um sol, sempre positivo. Ele era simples, despretensioso – mais um camponês que um ator”.









Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.