Já foram feitos muitos filmes sobre a velhice: da obra-prima dramática de Leo McCarey, A Cruz dos Anos (1937) até a mais recente parceria de Jane Fonda e Robert Redford, Nossas Noites (2017), passando por velhices na pobreza com Umberto D (1951) e romances na velhice com Elsa y Fred (2005). Vários destes filmes conseguem fazer o espectador criar empatia com os idosos, mas nenhum é tão positivamente radical quanto Meu Pai, que nos coloca, de maneira às vezes sufocante, dentro da mente de um idoso com demência.
Em Meu Pai, Anthony Hopkins interpreta Anthony, um idoso com pouco mais de 80 anos, fã de música clássica e pai de duas filhas. Sua filha mais velha, Anne (Olivia Colman), leva-o para viver com ela e com o marido Paul (Rufus Sewell) depois que Anthony briga com mais uma de suas enfermeiras, acusando-a de ter roubado seu precioso relógio. Anne tentará uma última vez contratar uma enfermeira, Laura (Imogen Poots), para não ter de fazer o que o marido sem paciência demanda: internar o pai numa casa de repouso.
Como era de se imaginar, Anthony Hopkins está excelente neste filme, exibindo de forma contida fragilidade, mas em muitos momentos sendo também adorável. Igualmente contida está Olivia Colman, no papel da filha que sofre resignada ao ver a acuidade mental do pai definhando. Se fosse um filme à caça do Oscar, um Oscar-bait, talvez Olivia tivesse um momento de catarse com emoções explodindo depois de ficarem tanto tempo reprimidas – mas ela não tem este momento, e isso também faz parte do reflexo da vida real: vale a pena explodir quando a resignação é a única opção? Nem sempre, e nem para todas as pessoas.
Florian Zeller, diretor estreante, concebeu Meu Pai como peça teatral em 2012 e ele próprio adaptou o texto para o cinema, com ajuda do também dramaturgo Christopher Hampton. Desde o começo, ele tinha em mente Anthony Hopkins para o personagem principal, embora parecesse improvável que o texto um dia fosse adaptado para o cinema e Zeller conseguisse convencer o ator veterano a embarcar no projeto. Felizmente, Anthony aceitou o convite, lisonjeado: “Foi maravilhoso saber que escreveram o roteiro me imaginando como o personagem. Nesse caso, foi uma honra”.
Como Florian Zeller relembra, há muitos filmes sobre demência, e alguns inclusive caem no fastidio. São emocionantes, sim, mas faltava algo mais. Zeller criou não uma história como tantas outras, mas uma experiência. E esta experiência Zeller conhece como espectador: a ideia surgiu quando Zeller, ainda adolescente, viu a avó que o criou começando a apresentar sinais de demência. Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, Zeller já está trabalhando em seu novo projeto para o cinema: uma adaptação novamente de um texto seu, The Son, sobre um adolescente com depressão.
O editor Yorgos Lamprinos disse em entrevista que usar a evolução do espaço, com pequenas mudanças de cena para cena, foi o maior desafio neste filme que depende do trabalho de edição para manter-se instigante. Como ressalta o editor, o ritmo aqui é tudo, mudando para criar em nós as emoções que Anthony certamente está sentindo, como raiva, desespero ou paranoia. A estrutura não-linear do roteiro mostra como está funcionando a mente de Anthony e, segundo Lamprinos, o grande trunfo está no fato de que, como uma mente fragmentada, o roteiro não pode ser remontado em uma ordem lógica.
No desenrolar das cenas, noite e dia confundem-se, bem como os ambientes e os rostos. É extremamente confuso para nós e para Anthony, mas apenas para quem está lúcido – ou melhor, para quem de nós cumpre os requisitos para ser considerado lúcido – que a experiência é também dolorosa. A unanimidade é dizer que a pessoa com demência não têm consciência da própria confusão mental, por isso não sofre – mas quem está vendo tudo de fora sofre muito. E quem agora pôde ver do lado de dentro, mas mantendo a lucidez, de repente percebe que envelhecer pode ser como entrar num filme de terror.
Há um momento em que Anthony diz à Laura, a jovem enfermeira: “Espere até você chegar à minha idade. E acontecerá mais rápido do que você pensa”. Tempus fugit, diz o ditado em latim: o tempo voa. A velhice é uma indecência, dizia o meu avô. Vendida por aí como a melhor idade, a velhice pode não ser nada disso: pode ser dura, solitária e muito confusa. Enquanto não chegamos lá, é a arte – é o cinema, neste caso – que nos aproxima dos idosos, que nos permite tomar seu lugar apenas por um momento, e depois deste momento alguns de nós respirarão aliviados porque ainda são jovens, enquanto outros se preocuparão com o próprio futuro e outros ainda olharão de outro jeito para os idosos que os rodeiam. Mas ninguém sairá o mesmo de uma sessão de Meu Pai. E é exatamente isso que Florian Zeller queria fazer.
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