Revelado com “Hereditário”, o filme de terror lançado em 2018 que deixou muita gente realmente assustada no escurinho do cinema e entrou na lista de melhores do ano de muitos cinéfilos, o jovem cineasta Ari Aster (de apenas 33 anos) volta a mostrar personalidade com seu segundo longa, “Midsommar: O mal não espera a noite” (“Midsommar”, EUA/Hungria/Suécia, 2019). Explorando temas e climas já desenvolvidos no seu projeto anterior, Aster procura realizar uma produção que não só causa medo como também desconforto ao mostrar que o lado sombrio da mente das pessoas pode ser revelado se for instigado da maneira certa, e aqui ele faz um interessante contraste entre as trevas e a luz. Só que o estilo fora do convencional escolhido para contar sua história pode não cair no agrado geral, e até ser ridicularizado por alguns. Mas ninguém pode dizer que o filme é esquecível como a maioria das produções do gênero se apresentam atualmente.
A trama é centrada em Dani (Florence Pugh), uma jovem em processo de luto após perder os pais e a irmã de forma traumática. Ela namora Christian (Jack Reynor), mas o relacionamento apresenta desgastes e ele pensa seriamente em terminar tudo. Todavia os dois resolvem aceitar o convite do amigo Pelle (Vilhelm Blomgren) para assistir ao Solstício de Verão, um festival que acontece a cada 90 anos no vilarejo de Hårga, na Suécia, onde nasceu.
Assim, o casal, acompanhado dos amigos Mark (Will Poulter) e Josh (William Jackson Harper), viajam até ao local, com a intenção de se divertir no evento, ao mesmo tempo que Christian e Josh pretendem estudar um pouco mais sobre a vida em Hårga, onde os dias são longos e as noites, curtas. Porém, à medida que o tempo avança, o grupo começa a perceber que os habitantes não são exatamente o que parecem e escondem terríveis segredos que podem mudar a vida de Dani, Christian, Josh e Mark para sempre.
O grande mérito de “Midsommar: O mal não espera a noite” é mesmo a direção inspirada de Aster, que se vale de diversas alegorias e subtextos para contar a sua história. Basta reparar no momento em que o grupo está prestes a desembarcar do avião que os leva à Suécia e ocorre uma turbulência, que indica que algo ruim está para acontecer, assim como o momento em que, ao pisarem no vilarejo, a câmera gira a 180 graus, colocando tudo de cabeça para baixo, dando a entender que, a partir daquele momento, grandes mudanças vão acontecer nas vidas dos personagens.
Além disso, o cineasta se vale de um grande rigor estético e cria imagens realmente belíssimas com planos bem abertos, em que se destacam a região onde o filme é ambientado, além da simetria obtida com os elementos que surgem nas cenas, contrastando com closes bem fechados nos rostos dos personagens, causando ainda mais desconforto para o espectador. Ponto também para seu diretor de fotografia, Pawel Pogorzelski, que já tinha trabalhado com Aster em “Hereditário”.
Já o roteiro, também escrito pelo diretor, se inspira em outros filmes cult de terror, especialmente “O Homem de Palha” (que ganhou a fraca refilmagem “O Sacrifício”, com Nicolas Cage), “O Bebê de Rosemary”, “O Massacre da Serra Elétrica” e até mesmo “Grito de Horror”, de Joe Dante (sim, o diretor de “Gremlins”!). O curioso é que, mesmo com toda essa mistura, o script consegue mostrar a sua história com alguma originalidade, seja como mostram os rituais do povoado ou mesmo nas situações que vão deixando Dani, Christian e seus amigos ao mesmo tempo que envolvidos com o clima de Hårga, cada vez mais isolados do mundo, o que gera situações inusitadas e angustiantes.
No entanto, o texto e direção também cometem alguns deslizes, como o desaparecimento e o reaparecimento de alguns personagens sem maiores explicações, assim como algumas cenas que deveriam dar medo ou mesmo desconforto, mas acabam sendo tão risíveis que não será surpresa se muita gente der altas gargalhadas no cinema. Isso sem falar em alguns momentos que poderiam ser tirados na edição, pois não fazem nenhuma falta para a compreensão da trama, e assim daria um pouco mais de dinamismo para a história.
No elenco, o destaque vai para a protagonista interpretada por Florence Pugh. A atriz, que deve ficar mais conhecida nos próximos anos por suas participações em grandes projetos como o filme da Viúva Negra ao lado de Scarlett Johansson, pode não ser tão arrebatadora quanto Toni Colette em “Hereditário”, mas transmite muito bem a dor e desorientação que Dani sofre com a perda de sua família, mas que ninguém consegue compreender. Jack Reynor está apenas correto como Christian, assim como Vilhelm Blomgren e William Jackson Harper. Quem decepciona, no entanto, é Will Poulter, que parece não perceber em que filme está e tem uma atuação fraca, que destoa dos demais. O ator também é prejudicado pelo roteiro, que às vezes parece não saber o que fazer com o seu personagem e o deixa com falas e atitudes tão bobas que ele acaba não criando simpatia para o público, que nem se preocupa com o que acontece com ele.
Embora o resultado final de “Midsommar: O mal não espera a noite” seja bastante controverso e capaz de criar torcidas fervorosas tanto contra quanto a favor, é inegável que Ari Aster foi bem sucedido em incomodar e instigar mais uma vez o público, usando as tradições nórdicas como fonte de terror, medo e desconforto, além de usar o gênero para discutir questões como dor, perda, culpa, solidão e incompreensão com um estilo que já se tornou sua característica mais marcante. E apenas com dois filmes!!! É bom ficar de olho no que ele pode fazer no futuro como cineasta. E também nos detalhes que tornam a experiência de se assistir a este filme ainda mais prazerosa, mesmo que o espectador deixe a sala de cinema bastante reflexivo a respeito do que acabou de ver na telona.
Cotação: Muito Bom
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