Considerado por muitos o “Walt Disney Japonês”, Hayao Miyasaki ganhou fãs ao redor do mundo com seus filmes que misturam histórias singelas e complexas com uma belíssima animação, que se destacam do que é produzido no Japão atual. Obras como “A Viagem de Chihiro” (2001), que ganhou vários prêmios, inclusive o Oscar, “O Castelo Animado” (2004), premiado no Festival de Veneza e “Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar” (2008) foram grandes sucessos e tornaram o nome de Miyasaki ainda mais conhecido no universo da animação. Para a surpresa de muitos, Koji Hoshino, o presidente do estúdio onde ele trabalha, o Ghibli, anunciou sua aposentadoria durante o Festival de Veneza de 2013, durante a apresentação de seu mais recente projeto. Se isso é verdade, ou não, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: Miyasaki soube como sair bem de cena com o tocante “Vidas ao Vento” (“The Wind Rises”).
A história conta boa parte da vida do designer de aviões Jiro Horikoshi, desde a sua infância, quando era apaixonado por aeronaves e inspirado pelo famoso designer aeronáutico italiano Gianni Caproni. O filme retrata eventos históricos importantes que afetaram sua vida, incluindo o terremoto Grande Kanto, de 1923, a Grande Depressão, a epidemia de tuberculose e a entrada do Japão na guerra. Ele conhece e apaixona-se por Nahoko, desenvolve uma bela amizade com o companheiro de trabalho Honjo e cria inovações, levando o mundo da aviação para o futuro.
Para contar a trajetória de Jiro, Miyasaki optou em não utilizar os elementos fantásticos que se tornaram essenciais em seus maiores clássicos. Ao invés disso, ele preferiu contar a sua história de uma maneira mais realista, mas sem perder a sensibilidade, o que torna “Vidas ao Vento” uma belíssima experiência, que cativa até mesmo quem não gosta (ou não é muito familiarizado) com a animação japonesa. Além disso, o diretor não perdeu o cuidado para criar o universo de seus personagens. É incrível como ele utiliza diversos tipos de pintura para os cenários onde acontece a trama. Em alguns momentos, Miyasaki e sua equipe de animadores se inspiram em pintores impressionistas, como Monet, especialmente nas cenas que mostram as viagens do protagonista pelo Japão, criando um efeito que cativa o espectador.
Outro aspecto que chama a atenção em “Vidas ao Vento” é a maneira encontrada para narrar a trama romântica envolvendo Jiro e Nahoko, feita com delicadeza rara vista em produções atuais. A sequência que melhor exemplifica isso é quando os dois trocam confidências usando um aviãozinho de papel, já que não podem ficar juntos no mesmo quarto por causa da saúde da moça. Não tem como não sentir empatia e torcer pelo amor do casal, mesmo quando uma possível tragédia pode acabar com a harmonia que os dois conseguem encontrar juntos. O diretor também empolga ao mostrar as cenas de voo do protagonista, assim como as de sonho de Jiro, onde encontra seu ídolo Caproni, que lhe dá conselhos para sua vida.
Miyasaki também traça um panorama da sociedade japonesa da década de 20, onde as mulheres, em sua maioria, são serviçais aos seus maridos e vivem para cuidar de seus lares, sempre de uma forma tolerante. A única personagem feminina que foge deste modo de viver é a irmã de Jiro, que quer se tornar médica, e tem um temperamento mais agitado, o que contrasta com o de Nahoko. Pode parecer, nos dias de hoje, um pouco absurdo para as mulheres, mas devemos lembrar que os japoneses têm costumes antigos que foram preservados por muitos anos. Por isso, e por muitos outros elementos apresentados no filme, é preciso refletir sobre o que é visto em “Vidas ao Vento”.
Com um belo e melancólico desfecho, “Vidas ao Vento” nos faz apenas lamentar a despedida de um grande realizador como Hayao Miyasaki da animação mundial. Mas ele deixa os fãs do cinema com o saldo mais do que positivo de sua carreira e seu nome, certamente, não será facilmente esquecido, especialmente por essa obra que mostra que todos devemos ter uma vida cheia de realizações plenas. Afinal, como diz o poema de Paul Valéry, que inspirou o livro de Tatsuo Hori (no qual o filme se baseia): “O vento se levanta, é preciso tentar viver”.
Comente!