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O legado de Hardy Krüger (1928–2022)

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Eu cresci com a morte, me acostumei“, comentou Hardy Krüger em uma entrevista de 2018 à agência de imprensa alemã, próximo de seu aniversário de 90 anos, quando perguntado se tinha medo da morte. O ator aposentado se referia ao fato de ter sobrevivido a operações de linha de frente na Segunda Guerra Mundial, bombardeios, e ter escapado de uma sentença de morte e de um pelotão de fuzilamento. “Uma pessoa geralmente não pode ter essa sorte”, brincou.

Atuando em produções importantes em língua inglesa, como Uma Ponte Longe Demais (A Bridge Too Far, 1977), de Richard Attenborough (1923–2014), atuando ao lado de grande nomes de Hollywood e ainda sem esquecer de sua terra natal, dedicando intensamente ao cinema alemão e europeu. E aos 93 anos, de maneira inesperada, mesmo para quem tinha sua idade, faleceu em sua casa em Palm Springs, na Califórnia.

Nascimento

Eberhard August Franz Ewald Krüger nasceu no distrito de Wedding, em Berlim, em 12 de abril de 1928, durante a era da Grande Depressão. De família extremamente nazista, seu pai, engenheiro, era fã de Adolf Hitler e um dos primeiros membros do Partido Nazista (na autobiografia que escreveu em 2016, disse que foi “criado para amar Hitler”).

Uma educação nazista

Krüger quando tinha 13 anos, foi aceito como estudante no Ordensburg Sonthofen, uma instituição educacional nazista projetada para moldar a futura elite do regime. Em 1943, Krüger estreou uma ponta no filme de propaganda nazista, Junge Adler (“Jovens Águias”).

Durante as filmagens, Krüger ouviu um ator mais velho fazer um comentário sobre Hitler que mudaria sua vida: “Seu semideus, aquele pintor austríaco, é um criminoso“. Descobriu assim o que estava acontecendo em campos como Bergen-Belsen e Dachau. Era Hans Söhnker (1903-1981), um antinazista que se tornaria seu amigo por décadas.

Mas foi convocado para servir na divisão SS “Nibelungen”, e mandado para a frente de guerra no início de 1945. Até então, havia perdido toda a fé no regime e na possibilidade de uma vitória.  Como tal, se recusou a atirar em soldados americanos e foi condenado à morte por fuzilamento por “covardia diante do inimigo”.

Mas o oficial da SS se recusou a atirar nele – talvez porque aos 16 anos parecia uma criança, Krüger especulou mais tarde. Em vez disso, foi enviado como mensageiro e desertou durante uma missão nos Alpes. Capturado pelos americanos, que o soltaram, caiu nas mãos dos soldados soviéticos pouco depois, mas conseguiu escapar. Regressou a Berlim e em 1945 chegou a cidade portuária de Hamburgo.

Por que Eberhard se tornou Hardy

Ali, para se tornar ator de teatro, começou a trabalhar como figurante no teatro municipal e como leitor de notícias para a rádio controlada pelos britânicos. A União Soviética, onde o pai de Krüger morreu em um campo, exigiu a extradição do filho do nazista.

A questão foi abandonada depois que mudou seu primeiro nome de Eberhard para Hardy. E a partir dali sabia que queria uma carreira de ator, e começou a filmar no incipiente cinema alemão pós-guerra, em várias comédias que passavam pela censura aliada (1949-1952).

Com Johanna Matz (1932) como um casal de turistas no Empire State em Ingênua até Certo Ponto.

Em 1953, o diretor Otto Preminger (1905–1986) empreendeu a comédia romântica Ingênua até Certo Ponto (The Moon Is Blue) em duas versões, uma versão americana e uma versão alemãdeste filme. Krüger estreava com Maggie McNamara (1928–1978), William Holden (1918–1981) e David Niven (1910–1983) e continuou filmando comédias em seu país.

Com Liselotte Pulver (1929) em O Último Verão

Faz seu primeiro protagonista em O Último Verão (The Last Summer, 1954) de Harald Braun (1901–1960) como um revolucionário nórdico que se apaixona pela filha do presidente. Nesse ano, viaja a França, interessado na Nouvelle Vague. E estreia outros filmes românticos como personaem principal como o austríaco O Danúbio Azul (An der schönen blauen Donau, 1955) e o alemão Der Himmel ist nie ausverkauft (1955).

Em Álibi (1955) faz o amante que é acusado de um assassinato; e em Liane, a selvagem (1956), o par romântico da personagem título, interpretada por Marion Michael (1940–2007) (foto ao lado) e mais outro par romântico em Die Christel von der Post (1956), com Gardy Granass (1930). E veio seu primeiro policial, ainda na Alemanha Ocidental, Labirinto da Morte (1957), com Martin Held (1908–1992), que segue na parceria em O Zorro de Paris (1957), onde faz o militar alemão que trabalha com a Resistência francesa.

E segue Águia Fugitiva (1957) de Roy Ward Baker (1916–2010), seu primeiro filme britânico, com Colin Gordon (1911–1972) e Michael Goodliffe (1914–1976). Os cineastas britânicos não tinham interesse ​​em Krüger – até que interpretou um oficial da força aérea alemã capturado durante a Batalha da Grã-Bretanha que conseguiu escapar repetidamente do cativeiro nesse filme de 1957. A estreia do filme marcou o início da carreira cinematográfica internacional de Hardy Krüger.

Novo caminho

Com Martin Held em O Zorro de Paris

Com Alec McCowen (1925–2017) em Águia Fugitiva (1957)

Um ano depois, Krüger era um ator internacionalmente aclamado que morava na Grã-Bretanha. E assim foi escalado como protagonista em Confessa, Dr. Corda! (1958), na comédia britânica Satã à meia noite (1958), Der Rest ist Schweigen (1958), Entrevista com a Morte ( Blind Date, 1959), Die Gans von Sedan (1959). Angústia de um Dilema (1960), na produção francesa Un taxi pour Tobrouk (1961) e Dois entre Milhões (1961).

Com Sylvia Syms (1934) em Satã à Meia-Noite.
Cartaz de Entrevista com a Morte (1959) com Stanley Baker (1928–1976) e Micheline Preslé (1922)

Em 1960, Krüger comprou Ngorongoro, uma fazenda no território de Tanganyika (agora parte da Tanzânia ), que manteve por 13 anos. Ngorongoro e a área ao redor serviram de cenário para o filme Hatari! (1962), onde contracenou com John Wayne (1907–1979), Elsa Martinelli (1935–2017) e Red Buttons (1919–2006).

Ele disse à Spiegel em 2019 que Wayne gostava de beber com ele após as filmagens de cada dia: “Wayne sempre pedia conhaque triplo, eu pedia uísque simples. Mas não ficava bêbado”, disse Krüger. Seu truque era que, antes de cada duelo de bebida, Krüger engolia cinco colheres de sopa de óleo de cozinha.

Krüger com Wayne, Martinelli e Buttons na aventura na África Hatari! (1962).

Mesmo ano fez o francês Sempre aos Domingos (Les dimanches de Ville d’Avray, 1962) de Serge Bourguignon (1928), premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1963), onde interpreta um veterano da Guerra da Indochina Francesa. E entra no gênero Nouvelle Vague francês, trabalhando em alguns filmes e curtas-metragens.

Com Patrícia Gozzi (1950) em Sempre aos Domingos.

Krüger fazia parte de um elenco com Richard Attenborough (1923–2014) e James Stewart (1908–1997) em O Vôo da Fênix. Krüger interpretou um engenheiro alemão neurótico no drama do deserto – com grande sucesso: recebeu uma indicação ao Globo de Ouro por sua interpretação.

Começou a fazer pontas em filmes e séries para a TV em 1966, como Les fables de La Fontaine, entre outras. Filmes como Talvez Seja Melhor Assim (L’espion, 1966), A Odisséia de um Bom (Le franciscain de Bourges, 1967), A Monja de Monza (1969), O Segredo de Santa Vitória (1969), A Tenda Vermelha (1969) e A Quinta Ofensiva (1973), sempre interpretando papéis de militares alemães.

Em 1975 interpretou o Capitão Potzdorf em Barry Lyndon, dirigido por Stanley Kubrick (1928–1999).

Em Uma Ponte Longe Demais (1977) de Richard Attenborough, como um nazista, papel que não gostava de interpretar.
Em 1978, ele interpretou um mercenário sul-africano em Selvagens Cães de Guerra (The Wild Geese). O filme se tornou um sucesso de bilheteria internacional, mas não atraiu críticas positivas.

Na década de 1980, Krüger retirou-se cada vez mais da indústria cinematográfica e dedicou-se mais à escrita e ao seu programa Weltenbummler.

Publicou vários romances, contos e relatos pessoais nos quais pôde aproveitar suas experiências como cosmopolita viajado. Através das experiências de sua juventude, particularmente moldadas pela Segunda Guerra Mundial, durante décadas, Krüger usou o fato de ser uma celebridade, bem como seus recursos, para combater “todos os velhos nazistas e todos os novos nazistas”, uma luta que duraria até seus quase 90 anos, visitando escolas e dando palestras como além de cooperar com uma iniciativa contra a violência de extrema-direita em 2014.

Krüger, que morava na Califórnia, viu que seu compromisso contra o extremismo de direita não havia perdido a urgência nos últimos anos de sua vida.

Foi casado com Renate Densow (1918–2006), com a qual teve seu primeiro filho, Christiane Krüger (1945) de 1950 e 1964. Seu segundo casamento foi com a pintora italiana Francesca Marazzi entre 1964 e 1977. Deste casamento, ele tem os filhos Malaika Krüger (1967) e Hardy Krüger Jr. (nascido em 1968). Krüger se casou com sua terceira esposa, Anita Park, em 1978, com a qual viveu até a morte.

Descanse em paz.

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Por
Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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