"O Lobo de Wall Street" é amoral, cruel e muito, muito bom

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Nos EUA, “O Lobo de Wall Street” (“The Wolf of Wall Street”) tem dividido opiniões entre o público e a crítica. Para alguns, o novo filme de Martin Scorsese é “terrível”, “ofensivo” e até “decepcionante”. Já para outros, ele é “fantástico”, “divertido” e “incrível”, segundo depoimentos no IMDB. Não há meio termo para avaliar essa produção. Ou a pessoa ama ou odeia, com a mesma intensidade, essa nova parceria do diretor com seu atual astro favorito, Leonardo DiCaprio. E isso, acredite, é muito bom, levando em conta o grande número de filmes lançados nos últimos anos em que o público assiste e não é levado a uma maior discussão sobre o que viu na telona.

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A trama, baseada em fatos reais, conta a história de Jordan Belford (Leonardo DiCaprio), um corretor da Bolsa de Valores de Wall Street que, logo após se formar, vai trabalhar numa firma onde faz amizade com Mark Hanna (Matthew McConaughey), um dos melhores corretores da equipe, e que lhe passa alguns conselhos para se dar bem na sua carreira. Só que, pouco tempo depois de ser efetivado, ele acaba desempregado por causa da falência da companhia. Procurando se reerguer, Jordan, sempre contando com o apoio de sua esposa, Teresa (Cristin Milioti), vai para uma empresa que vende ações para pequenos investidores. É aí que sua vida muda: como tem mais habilidades do que seus colegas, não demora para que Jordan comece a ganhar cada vez mais dinheiro graças às comissões que recebe com as ações que não valem praticamente nada. Isso acaba chamando a atenção de seu vizinho Donnie Azoff (Jonah Hill), que lhe propõe sociedade para abrir um negócio próprio. Assim, os dois montam uma equipe improvável de corretores e o dinheiro começa a entrar, graças às suas promessas (falsas) de que seus clientes vão enriquecer rapidamente com seus investimentos. Jordan passa a viver a vida que sempre sonhou, com belas casas, carros caríssimos e, principalmente, festas incríveis com muitas drogas e muito sexo. No processo, ele acaba deixando a esposa para viver com a bela Naomi (Margot Robbie), enquanto fica cada vez mais poderoso. Só que toda essa euforia chama a atenção do agente do FBI Patrick Denhan (Kyle Chandler), que passa a investigar os negócios suspeitos do corretor e de seus sócios.

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O curioso de “O Lobo de Wall Street” é que Scorsese conta essa incrível história com traços que lembram muito outro clássico do diretor, “Os Bons Companheiros”. Jordan, assim como o Henry Hill vivido por Ray Liotta no filme de 1990, dialoga com o público, explica (mas não muito, por achar que o espectador não se interessa por linguagem técnica) como funcionam seus esquemas de enriquecimento, sempre com bom humor. Donnie, seu braço direito, lembra um pouco o personagem Tommy DeVito de Joe Pesci, com seu temperamento explosivo, especialmente na cena em que espanca o mordomo gay do amigo. Além disso, a maneira como os sócios se reúnem em eventos sociais e até mesmo o figurino de gosto duvidoso de suas esposas traçam paralelos com mafiosos. Parece que Scorsese quer mostrar que corretores de ações não são muito diferentes dos gângsters. Por isso, o roteiro de Terence Winter, baseado no livro de memórias do próprio Jordan Belford (que faz uma ponta no filme), é bastante feliz ao enfocar esse universo que, por trás de todo o seu glamour, na verdade esconde uma sujeira imensa que se torna, paradoxalmente, cativante para o espectador.

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Scorsese sabe, como ninguém, tornar carismáticos personagens cínicos e amorais. Em “O Lobo de Wall Street”, ele faz com que, mesmo com toda a corrupção correndo solta na trajetória de seu protagonista, o público torça pelo sucesso de seus golpes, sem maiores julgamentos morais. Isso é um tema recorrente na filmografia do cineasta e, aqui, ele causa incômodo (especialmente aos “puritanos”) ao mostrar uma versão pervertida do tão desejado “Sonho Americano”, em que as drogas, o sexo, a falta de caráter e todos os exageros fazem parte para se alcançar um objetivo maior e nada deve impedir de chegar até ele. Nem mesmo a ética.

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Mas o diretor não seria bem sucedido se não contasse com alguém que ele tem confiado bastante nos últimos anos. Leonardo DiCaprio abraça seu personagem com grande paixão e consegue tornar crível as situações mais inusitadas que vive no filme, especialmente numa cena em que acaba se dando mal após se drogar com uma substância que ele não conhece muito bem a sua eficácia. Jonah Hill, embora esteja bem, não faz nada muito diferente do que já realizou em comédias como “Anjos da Lei”, com seus momentos de explosão. A bela australiana Margot Robbie, além de exalar sensualidade, também demonstra ser uma atriz interessante, que pode se tornar mais conhecida nos próximos anos. Há também a surpreendente participação do diretor Rob Reiner (“Conta Comigo”, “Questão de Honra”), como o explosivo  pai de Jordan.  Mas o grande destaque do elenco, além de DiCaprio, é Matthew McConaughey. Com poucas cenas,  ele arrasa como o “mentor” de Jordan, especialmente no momento em que, num restaurante, ele mostra para seu pupilo o seu ritual motivacional, que consiste em bater no peito e murmurar algo que lembra uma cantiga indígena. Definitivamente, 2013 foi um ano muito proveitoso para McConaughey, que, além desse filme, também se destacou na série da HBO, “True Detective”, e, principalmente, com “Clube de Compras Dallas”, onde pode levar seu primeiro Oscar, cujo principal adversário é justamente DiCaprio.

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O único calcanhar de Aquiles para “O Lobo de Wall Street” é a sua duração excessiva. Com seus 180 minutos, o filme pode causar um certo cansaço no espectador. A impressão que fica é que nem Scorsese nem sua habitual montadora Thelma Schoonmaker souberam como cortar algumas cenas desnecessárias, ou tornar a edição mais ágil. Por causa desse pequeno “pecado”, o diretor deixou de apresentar um filme antológico. Mesmo assim, “O Lobo de Wall Street” é uma experiência única no cinema atual, se tornando uma iguaria rara no mar de mesmice que se encontra em exibição nos últimos meses (ou mesmo anos). No fim das contas, o saldo é mais do que positivo para essa nova parceria entre Scorsese e DiCaprio. Portanto, deixe seus pudores de lado não deixe de conferir.

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