Studios Ghibli. Quando esse nome é lido não esperamos nada menos do que um produto animado de acabamento impecável e histórias que além da qualidade técnica inegável, transmite-nos uma lição como nas fábulas de Esopo, feitas sob medida para entendermos certos aspectos da vida e atitudes que tomamos. Enfim, sabermos um pouco mais sobre esse nosso muitas vezes desconhecido self. Com “O Menino e a Garça” não seria diferente. O estúdio de animação japonesa mais uma vez nos brinda com o que de melhor sabe fazer, sob a batuta do mestre Hayao Miyazaki.
A trama se passa em 1943. Depois de perder a mãe durante a guerra, Mahito, o jovem de 12 anos, muda-se para uma casa no interior do Japão propriedade de sua família. Lá, uma série de eventos misteriosos o levam a uma antiga torre abandonada, onde vive uma espevitada garça cinzenta. Quando a nova madrasta de garoto desaparece, ele segue a garça até a torre entrando em um mundo fantástico compartilhado pelos vivos e pelos mortos. Essa jornada épica conduzida pela garça faz com que Mahito descubra os segredos profundos do mundo e suas camadas de realidade, além da verdade sobre si mesmo.
A comparação mais objetiva que se pode traçar com “O Menino e a Garça” dentro dos estúdios Ghibli é sem dúvida com “A Viagem de Chihiro”, também dirigido por Miyazaki, e que também concorreu ao Oscar, saindo vencedor. No entanto, Neste o diretor vai ainda mais fundo na questão psicológica. Ainda que se revista dos mesmos elementos fantásticos, em alguns momentos de uma forma até mais lisérgica (acreditem), ele é mais preso à terra do que a animação de 2001. O trauma da Segunda Guerra Mundial, que também serviu de pano de fundo para o excelente “Godzilla Minus One”, aqui é mostrado com uma crueza que em nenhum momento é amenizada pelo fato de se tratar de um desenho.
É justamente o realismo (ainda que fantástico) que causa assombro no filme. Mesmo imbuída de elementos oníricos, a trama carrega uma paradoxal verossimilhança que é justamente o que envolve o espectador. Completamente reféns daquele mundo ali construído, à plateia resta apenas tentar adivinhar a próxima surpresa. E falha miseravelmente. O filme sempre surpreende.
O título japonês (traduzido como “Como você vive?”) é o mesmo de um romance de 1937 de Genzaburô Yoshino, editor e escritor de literatura infantil, segundo as fontes. Foi o mote encontrado por Miyazaki para contar a sua história mais particular. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, é assumidamente baseado em experiência do diretor em sua infância. Daí sua profundidade narrativa. A obra serve como autoanálise, além de trazer mensagens sobre a possibilidade da paz entre as nações num mundo marcado pelo conflito. E ele não está se referindo à Segunda Guerra, mas a todos os conflitos em curso e a falta de entendimento em geral no âmbito da política internacional e das relações interpessoais.
Esse é anunciado como o derradeiro filme dirigido por Miyazaki. Não é a primeira vez que o cineasta divulga sua intenção de se aposentar. No entanto, faz completo sentido encerrar a carreira com uma obra tão pessoal. Com a produção adiada por conta da pandemia, a equipe estava preocupada que o filme não fosse concluído a tempo antes que a idade do diretor aumentasse. Mas, felizmente, ele conseguiu terminar o filme. Um belíssimo encerramento, caso de fato o seja.
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