“O Palhaço” é a ressonância da vida sob o picadeiro

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Mario Quintana dizia que “melancolia é uma maneira romântica de ficar triste”. Pois Selton Mello parece ter partido dessa premissa ao criar o universo de seu segundo filme como diretor, o lírico O Palhaço. Se no filme anterior, o obtuso e belo Feliz Natal, o ator/diretor chafurda no pessimismo Cassavetiano, aqui ele, bem mais solar, vai pelo otimismo Felliniano de ver o mundo.

O Circo Esperança vai percorrendo o interior de Minas Gerais. A trupe que, convive como uma estruturada família, é liderada por Valdemar, o velho palhaço Puro Sangue (vivido por Paulo José, ótimo como de costume). Seu filho Benjamin, o palhaço Pangaré (interpretado por Selton, dessa vez livre de seus tiques de sempre), é quem cuida da parte financeira do circo que, claro, está sempre muito ruim, e tem que driblar os percalços rotineiros da vida na estrada. Para além dos problemas objetivos, Benjamin é aturdido por uma perturbação interior que pode ser entendido por melancolia. Anseios e busca por identidade norteiam sua cabeça, e o conflito entre aquele microcosmo e o mundo lá fora alimentam seu iminente estado de espírito lacônico e reticente.

Selton domina bem o universo que cria. Com uma direção de arte espetacular e um elenco de apoio que compreende bem o “espírito da coisa”, ele faz um filme lindíssimo. Na pouca pretensão que tem, o filme é assertivo. E Selton acerta ao tornar o estilo uma constante na implementação do que quer dizer diante de tanta “alegria”. É a tal da metáfora do palhaço, onde por trás de tanta alegoria existe uma tristeza embutida. O filme é grande por fazer disso o seu maior sentido.

Assim como fez em seu filme anterior, o diretor trabalha com figuras esquecidas do cinema brasileiro. Em O Palhaço, dá espaço para nomes célebres como Ferrugem, Jorge Loredo e Moacir Franco (este, ressurgindo para o cinema de forma, no mínimo, surpreendente).

Empregando a sutileza como motor de ressonância de sentimentos de seus personagens, Selton dá um salto gigantesco em sua carreira como diretor. Suas escolhas narrativas, estéticas e conceituais só reforçam isso, como podemos ver numa das cenas finais do filme, quando Benjamin tem uma espécie de catarse do que pretendia da vida até ali. Uma cena simples, econômica mas de uma grandeza espetacular que perpassa a objetivação de uma ideia. Isso é detalhe de mestre e comprova o promissor caminhos que tanto Selton quanto o nosso cinema (aleluia!) ainda vão seguir…

[xrr rating=4.5/5]

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