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O Preço da Fama: quando a realidade vira ficção

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Extra! Extra! O descanso eterno do maior símbolo do cinema mudo foi perturbado! Charles Chaplin, o inesquecível vagabundo, teve seu túmulo violado e seu cadáver roubado de um cemitério na Suíça! Parece a sinopse de um filme imperdível, mas é a vida real: o corpo de Chaplin foi de fato roubado em 1978, e, sem nenhuma pretensão de se transformar em documentário, o filme “O Preço da Fama” conta este episódio – com alguma licença poética, claro.

Eddy (Benoît Poelvoorde) acabou de passar uma temporada na cadeia e, ao sair, consegue abrigo na casa do amigo Osman (Roschdy Zem), cuja vida também não está às mil maravilhas. Ambos são imigrantes vivendo na Suíça no final dos anos 70, e o muçulmano Osman ainda tem o desafio de pagar o tratamento de saúde da esposa e cuidar da filha, Samira (Séli Gmach), sem que os maus modos de Eddy prejudiquem a menina.

Mas até estes pobres coitados merecem ser felizes no Natal, e quando o dia da grande festa cristã chega, Eddy surpreende Osman e, em especial, a pequena Samira dando-lhes uma televisão de presente. Enquanto ceiam, estreiam a TV e recebem a notícia da morte de Charles Chaplin.

Eddy não demora a ter a ideia mirabolante de raptar o cadáver. Ora, Chaplin morou durante muitos anos na Suíça, estava enterrado pertinho deles e Osman precisava muito do dinheiro para pagar o tratamento da mulher. Um típico caso em que os fins justificariam os meios.

No lugar idílico que deveria servir de último descanso para Sir Charles Chaplin não é difícil roubar um cadáver. O que se segue é uma dramatização dos eventos reais: a investigação, as suposições, o pedido de resgate, a comoção generalizada, a descoberta dos sequestradores.

Nos noticiários vemos o drama dos imigrantes sírios que marcham por terras em guerra, e dos africanos que atravessam o Mediterrâneo nas piores condições. Considerando estes casos, o tema do filme se mostra mordaz e atual. Em uma situação de desespero extremo, as pessoas fazem coisas inimagináveis, como caminhar dezenas de quilômetros todos os dias, entrar em um barco abarrotado sem saber nadar ou roubar o cadáver do maior ícone do cinema mudo. São situações-limite, desesperadoras e que quase sempre desafiam a condição humana.

A obra de Chaplin é invocada diversas vezes. A mais óbvia inclui a projeção de um trecho do curta-metragem “O Balneário / The Cure” (1917), que é exibido pela TV em homenagem ao astro recém-falecido. O efeito “filme dentro da televisão dentro do filme” é belo e emocionante para quem ama filmes mudos, mas nunca os viu na tela grande. Mas o universo chapliniano aflora mesmo quando Eddy e Osman conhecem Rosa (Chiara Mastroianni), dona de um circo charmoso. A partir de então “Limelight” (música-tema do filme “Luzes da Ribalta”, de 1952, composta por Chaplin e que deu ao artista seu único Oscar competitivo) invade a trilha sonora e dá um nó na garganta dos fãs mais ardorosos.

A crueza do ambiente em que vivem Osman e Eddy tem no circo um forte contraste. Eles saem de um barracão e entram em um mundo mágico, exatamente como acontece em muitos dos filmes do personagem vagabundo. E é esta a moral da história: nossos anti-heróis são muito parecidos com o mais famoso personagem de Charles Chaplin. E até nós, o público, dependendo das circunstâncias, nos assemelhamos ao vagabundo. É essa universalidade o ingrediente secreto para uma criação atemporal e tão adorada.

A produção conta com atores que despontam no cenário europeu e mundial, incluindo, além de Benoît e Roschdy, uma pequena participação de Nadine Labaki, Eugene Chaplin (filho de Charlie) e Dolores Chaplin (neta de Chaplin, interpretando a avó Oona O’Neil). Com uma atmosfera perfeita e algumas mudanças pontuais na história real, que de maneira alguma a descaracterizam, o diretor Xavier Beauvois cria um filme que, sem dúvidas, o próprio Chaplin aprovaria.

Trailer:

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