“O Roubo da Taça” faz rir com história absurdamente real

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No Brasil, há histórias que só poderiam acontecer na nossa Terra Dourada. Elas são tão inusitadas que conseguem ficar cada vez mais bizarras e surreais quando contadas várias e várias vezes, especialmente quando são revelados detalhes que, por incrível que pareça, realmente ocorreram, a ponto de torná-las verdadeiras lendas urbanas. Um bom exemplo disso foi o roubo da Taça Jules Rimet, conquistada pela Seleção Canarinho em 1970 após o tricampeonato mundial.

O troféu foi levado da sede da CBF em dezembro de 1983 numa operação totalmente fuleira, que desencadeou situações que parecem piada de salão. Uma trama tão incrível não poderia deixar de ser levada aos cinemas e, felizmente, “O Roubo da Taça” (Idem, 2016) consegue a proeza de ser uma comédia realmente divertida e bem diferente da maioria das produções nacionais lançadas recentemente, com um ótimo elenco, uma direção dedicada e inspirada e um roteiro redondinho como uma bola de futebol.

O filme é narrado pelo ponto de vista de Dolores (Taís Araújo) e mostra como o seu namorado, o corretor de seguros Sérgio Peralta (Paulo Tiefenthaler), que tem sonhos de se dar bem na vida, mas sempre mete os pés pelas mãos, decidiu invadir a sede da CBF, que era no centro do Rio de Janeiro nos anos 1980 (hoje ela fica na Barra da Tijuca, na Zona Oeste carioca). O objetivo era roubar a réplica da Jules Rimet, que ficava na sala do presidente da entidade (Stepan Nercerssian), e pagar dívidas de jogo para Bispo (Hamilton Paz Pereira).

Ajudado pelo amigo Borracha (Danilo Grangheia), Peralta consegue levar a taça com extrema facilidade. Só que ele descobre que, na verdade, levou o troféu verdadeiro, já que a cópia estava, na verdade, dentro de um cofre. A dupla, desesperada, tenta vender a Jules Rimet, sem sucesso. Até chegar ao argentino Armando (Fabio Marcoff), que se mostra interessado em comprar a peça. Enquanto isso, o inspetor Gomes (Milhem Cortaz) se empenha em localizar o objeto roubado e prender os ladrões.

Em seu segundo longa-metragem, o diretor Caito Ortiz se revela um ótimo realizador de comédias, conduzindo seu elenco com naturalidade e fazendo render bem as piadas. Outro mérito está no roteiro que Ortiz escreveu junto com Lusa Silvestre, que constrói muito bem seus personagens e os torna bastante carismáticos e cativantes, além de desenvolver bem as situações que enfrentam, criando uma verdadeira comédia de erros, onde uma ação leva à outra ainda mais divertida que a anterior.

O texto brinca com os eventos que realmente aconteceram e os mescla de forma satisfatória com outros ficcionais, a ponto de que os espectadores mais antigos que vivenciaram esse episódio e ainda se lembram não se sentirem contrariados ao assistirem momentos que não ocorreram exatamente daquela forma.

Na parte técnica, “O Roubo da Taça” também se sobressai graças à boa fotografia de Ralph Strelow, que usa tons amarelados para dar uma ideia ao público de que as imagens são antigas, reforçadas pelos momentos que mostram a cobertura da imprensa (que conta até com a “participação especial” da repórter da TV Globo Glória Maria).

A direção de arte de Fábio Goldfarb e a direção de produção de Eduardo Nasser e Renato Rondon também merecem destaque por reconstituir muito bem a época onde se passa o filme, embora algumas sequências lembrem mais os anos de 1970 do que dos de 1980. Mas o esforço da equipe é visto na tela e funciona para dar mais verossimilhança para a trama.

O principal trunfo de “O Roubo da Taça” está mesmo em seu elenco. Mais conhecido por seu trabalho no “Larica Total”,  programa do Canal Brasil, Paulo Tiefenthaler dá um show de interpretação como o trambiqueiro Peralta. O ator torna o seu personagem uma figura com muitas falhas, mas extremamente carismático, que faz com que o público se identifique com ele e se divirta com as suas trapalhadas. Não foi à toa que ele levou o prêmio do Festival de Gramado de 2016, que geralmente consagra atuações mais dramáticas.

Taís Araújo mostra uma boa química com Tiefenthaler e dá consistência para que Dolores (uma das únicas personagens que é totalmente fictícia) não é somente uma mulher sensual , mas que também possui mais inteligência do que o seu amado malandro.

Milhem Cortaz tem mais uma ótima performance em sua carreira como o investigador Cortez, que ainda tem alguns cacoetes da época da ditadura, quando era acostumado a torturar pessoas, e torna crível sua obstinação em recuperar a taça. Os coadjuvantes Danilo Grangheia e Fabio Marcoff também estão sensacionais. Entre as participações especiais, Stepan Nercerssian faz rir como o presidente da CBF que não sabe como explicar o roubo da Jules Rimet. Já o cantor Mr Catra faz um pouco mais que uma ponta e usa o seu tipo exótico para marcar presença como Albino.

Primeira produção nacional da Netflix para a tela grande, “O Roubo da Taça” se revela, no fim das contas, uma comédia brasileira “fora da curva” em comparação ao que tem sido exibido deste estilo nos cinemas. O filme também conta com uma trilha sonora bem inspirada (que inclui clássicos como “Pecado Capital”, de Paulinho da Viola”), que casa perfeitamente com as desventuras de Peralta e sua turma para driblar os problemas causados pela Jules Rimet, que ajudam a tornar essa produção uma das melhores a serem exibidas no ano. Confira e divirta-se com a história cujos momentos mais incríveis realmente aconteceram. Acredite se quiser.

Filme: O Roubo da Taça
Direção: Caíto Ortiz
Elenco: Paulo Thiefenthaler, Taís Araújo, Milhem Cortaz
Gênero: Comédia/Aventura
País: Brasil
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Downtown Filmes
Classificação: 12 anos

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