Durante o período pré e pós Oscar, começa uma correria para assistir a todos os filmes indicados pela premiação. Uma série de grandes produções (e por grandes entenda-se tanto orçamento quanto qualidade) é lançada uma atrás da outra e as pessoas se desdobram para ver tudo antes e logo depois da entrega das estatuetas para poder comentar se concordam os resultados. Até mesmo os menos chegados em cinema fazem um esforço extra para não ficarem excluídos do papo na mesa de bar. Toda essa efusão é muito positiva para estimular a atração pelo cinema. Quem sabe se o “Tony”, maior premiação para o teatro, fosse tão celebrado as peças não seriam tão atraentes ao grande público quanto os filmes.
A desvantagem dessa maratona cinematográfica – que é também um aspecto condenável das competições artísticas – é a comparação, ainda que involuntária, entre produções incomparáveis. Foi o que ocorreu quando assisti a “Lincoln” um dia depois de ter visto “Django Livre”. O filme de Spielberg é interessante, traz à luz a abolição da escravidão como um fato mais político do que um ato heroico e destemido de Abraham Lincoln e seus partidários. É claro que existe um caráter emocional, o ex-presidente é retratado como uma pessoa íntegra e corajosa, que deseja libertar os escravos a qualquer custo. No entanto, a produção não esconde as atitudes questionáveis necessárias para que o nobre objetivo fosse atingido. Além disso, a caracterização de Daniel Day Lewis, assim como sua atuação e a de Sally Field são dignas de mérito.
Tenho a sensação, porém, de que teria apreciado mais “Lincoln” se não a tivesse assistido em um intervalo tão curto após a produção de Tarantino. Como é característico desse diretor, “Django Livre” mexe com o espectador. Desperta tristeza, raiva, repulsa e ainda arranca risadas. As pessoas terminam a produção em estado de elétrico, com vontade de debater o filme, falar sobre a experiência de assisti-lo. Já a produção de Spielberg tem um ritmo mais lento, não produz o mesmo impacto e não desperta o desejo quase incontrolável de falar sobre ela. Tive uma reação parecida ao assistir “O Discurso do Rei” e “Cisne Negro”. Quando o primeiro recebeu a estatueta de melhor filme, o primeiro instinto foi de contestação. Para mim, “Cisne Negro” havia criado um impacto muito maior que o concorrente. Porém, após rever “O Discurso do Rei” algumas vezes hoje até o prefiro em relação a “Cisne Negro”.
Essa diferença nas reações provocadas não significa que haja uma superioridade na qualidade de uma produção em relação à outra. Após uma reflexão sobre “Lincoln”, suas qualidades pouco a pouco foram se tornando mais evidentes. Com o risco de atestar o óbvio, os dois filmes possuem construções, estratégias e temáticas distintas e, por isso, as reações provocadas são também distintas. É precisamente essa diversidade que contribui para a fascinação que o cinema produz.
O ato de colocar dois filmes distintos lado a lado para efeito de comparação pode mitigar um pouco esta magia. Como comparar as referências pop, a trilha sonora ousada e o humor na medida certa de Tarantino às cenas e diálogos memoráveis e envolventes de Spielberg? Não se está aqui querendo defender o fim das premiações artísticas, juntando-se ao time de Woody Allen ou Maggie Smith. O Oscar, Globo de Ouro, o Emmy e seus afins me fascinam, dos modelos usados no tapete vermelho à expectativa de descobrir quem serão os vencedores. Mas é importante lembrar que o cinema vai muito além e que sua pluralidade é seu maior encanto.
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