Em Hollywood, há um grupo de roteiros que são considerados muito bons, mas que não conseguem virar filmes pelos estúdios.Daí acabam fazendo parte da chamada Black List (lista negra, em português). Um deles, depois de algumas alterações, ganhou o sinal verde ao se tornar era um drama romântico ambientado totalmente dentro de uma nave espacial durante sua longa jornada em direção a um distante planeta, com algumas pitadas de ação e suspense.
O projeto acabou atraindo dois dos nomes mais quentes do cinema americano atual e ganhou status de blockbuster, com potencial para ser um enorme sucesso de bilheteria. Porém, “Passageiros” (“Passengers”, 2016) possui algumas falhas justamente em seu texto que prejudicam o resultado final e impedem que o filme consiga atingir todo o seu potencial, especialmente por um detalhe que pode causar polêmica suficiente para desagradar uma parte do público, causando um efeito que, certamente, era contrário ao que os seus realizadores tinham em mente quando decidiram levar a história para a telona.
A trama mostra que, no futuro, parte da população decidiu deixar a Terra e povoar outros planetas com características semelhantes ao nosso mundo, em viagens realizadas por modernas naves espaciais. Uma delas é a Avalon, que vai para um planeta distante batizado de Colônia Homestead, numa jornada que vai durar 120 anos, e cujos passageiros e tripulação ficam hibernando em cápsulas especiais até chegarem ao seu destino. Só que, inesperadamente, um deles, o engenheiro mecânico Jim Preston (Chris Pratt) é acordado 90 anos antes do esperado e descobre que só tem como companhia o robô Arthur (Michael Sheen), que atua como bartender.
Até que, algum tempo depois, outra pessoa desperta: a jornalista e escritora Aurora Lane (Jennifer Lawrence). Juntos, os dois passam a desfrutar os vários tipos de recreação que a nave proporciona e vão se aproximando cada vez mais, pouco a pouco. Porém, a nave começa a apresentar sérios problemas que podem custar a vida deles e das outras pessoas que estão dormindo. Jim e Aurora precisam descobrir o que fazer para reverter a situação. Mas há uma outra questão que os dois também terão que lidar e que compromete a relação que eles desenvolvem.
Do ponto de vista técnico, “Passageiros” é um verdadeiro deleite visual. Além dos notáveis efeitos especiais, a cargo de Erik Nordby, cujo momento mais marcante é o momento em que Aurora fica presa dentro de uma bolha gigante da água de uma piscina em gravidade zero, e que ficam melhores em 3D, um dos principais destaques do filme é o design de produção assinado por Guy Hendrix Dyas, especialmente na concepção externa da nave e na criação dos cômodos da nave, que ressaltam a diferença de classes que existe entre os passageiros mais e menos afortunados.
A bela fotografia de Rodrigo Prieto remete a dois clássicos de Stanley Kubrick. Basta reparar nos movimentos da câmera em algumas partes da Avalon que são notadamente inspiradas em “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Já a paleta de cores vista no bar onde está Arthur lembra bastante a vista em “O Iluminado”, cuja ambientação também reforça esta referência, e contrasta com os outros locais mostrados no filme.
O calcanhar de Aquiles do filme, no entanto, está mesmo no roteiro de Jon Spaihts (“Prometheus”, “Doutor Estranho”). Além de alguns diálogos fracos em determinados momentos da trama, o texto falha ao criar uma situação que pode gerar antipatia em um dos personagens, atrapalhando o espectador de se envolver com os questionamentos que desejava apresentar.
Outro problema está na direção de Morten Tyldum (de “O Jogo da Imitação”) que até começa bem, especialmente nas cenas em que Jim está solitário na nave. Porém, após a revelação da grande reviravolta do filme, o cineasta parece ter perdido as rédeas de seu trabalho e não consegue nem fazer seus atores renderem o esperado nessa cena, chegando a deixar Jennifer Lawrence extremamente canastrona, com diversas e exageradas caras e bocas. Ele chega a acertar o tom nas cenas românticas, mas na terça parte final do filme, deixa as cenas de ação tão implausíveis que, ao invés de causar tensão, acabam provocando risos involuntários.
Felizmente, o filme acaba sendo salvo por seu pequeno, porém carismático e eficiente elenco. A história não funcionaria por completo se não houvesse química entre Jennifer Lawrence e Chris Pratt e os dois conseguem um resultado fabuloso juntos, mesmo com algumas falas que insistem em sabotar o esforço do casal. Em poucos minutos dividindo a cena, eles cativam e encantam o público e mostram porque estão no auge de suas carreiras. Michael Sheen não fica atrás e se também destaca como Arthur, dando até uma certa humanidade ao seu personagem robótico. Laurence Fishburne, que aparece na parte final da trama, desfila sua habitual competência como Gus Mancuso, alguém que se torna essencial para Aurora e Jim resolverem alguns problemas.
Com um desfecho bem corrido e aquém do esperado, “Passageiros” tem o mérito de ser um filme bastante agradável de assistir, mesmo com seu roteiro problemático e a direção pouco inspirada. No fim das contas, ele se preocupa em apenas entreter e não aprofunda algumas questões que levanta, como uma boa ficção científica procura fazer. Afinal, as melhores obras do gênero olham para o futuro sem esquecer o presente, buscando a reflexão, o que não acontece aqui, chegando a deixar de lado a questão mais polêmica da história em prol do entretenimento. Do jeito que ficou, vai satisfazer quem não exigir nada além de uma simples diversão. Mas tinha potencial para mais.
Filme: Passageiros (Passengers)
Direção: Morten Tyldum
Elenco: Jennifer Lawrence, Chris Pratt, Michael Sheen, Laurence Fishburne
Gênero: Ficção Científica/Romance/Suspense
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Sony Pictures
Duração: 1h 57min
Classificação: 12 anos