Por que “O Lado Bom da Vida” é um dos filmes mais humanos já feito?

Friedrich Nietzsche dizia que “há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura“. Enxergar essa frase como paradoxo é não entendê-la. Nietzsche queria mesmo era tirar o amor do pedestal para assim tornar lúcido a loucura que o justifica. O excelente O Lado Bom da Vida parte da mesma controvérsia (pelo menos ao senso comum) para falar sobre amor, loucura e redenção, que são chavões um tanto melodramáticos ditos assim.

Porém, ao colocarmos uma lupa nesses elementos, entendemos que a intenção do diretor e roteirista David O. Russell é justamente evocar os revezes do amor romântico, da loucura relativizada e de uma redenção de si mesmo. E com a esperteza de confrontar as questões dentro de uma estrutura propositalmente conhecida e clichê. Desse encontro  e da perfeita condensação cênica de um impressionante Bradley Cooper e uma magnética Jennifer Lawrence, é que o filme emerge como interessante recorte da grandeza que se extrai de fraquezas alheias.

A história é a de Pat Solatano Jr., bipolar solto do hospital psiquiátrico depois de oito meses de internação, que tenta se reintegrar à vida de família e reconquistar a esposa que, com boas razões, o deixou. Nesse meio tempo, ele conhece a incomodamente espontânea Tiffany que promete ajudá-lo a se conciliar com a ex-mulher, desde que ele a ajude em outro projeto – vencer um concurso de dança.

Baseada no livro The Silver Linings Playbook, de Matthew Quick, a trama vai acompanhando esse  homem que, após esse período perdido em uma clínica para pessoas mentalmente instáveis, passa a morar com sua mãe, a dona de casa Dolores (Jacki Weaver), e seu pai, também Pat (Robert De Niro), um fanático e supersticioso torcedor do Philadelphia Eagles. Apesar de não ter recobrado totalmente a sanidade, Pat frequenta a terapia e tenta recuperar a vida e a ex-mulher. Quando conhece Tiffany uma recém-viúva que usa a compulsão sexual para anestesiar a dor, inicia-se uma relação que envolve atração, repulsa e jogo de interesses.

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O filme levanta uma boa discussão a cerca de sua qualidade ou não, e esse é um de seus principais méritos. O. Russell é brilhante ao desmitificar a própria estrutura de seu filme, o deixando na linha tênue do mais batido cinema de fórmula ianque. Para isso, é preciso uma espécie de hipersensibilidade para captar o que o diretor propõe discursivamente nessa alegoria sobre como a afetividade da redenção encontra ecos definitivos numa  vida (aparentemente) ordinária.

O roteiro enquadra o impacto desses ricos personagens em suas inadequações, numa estrutura narrativa corriqueira e toda caminhada para um final clichês. Desse encontro nasce sua dignidade como cinema, uma vez que a humanidade apresentada (e de todos, incluindo aí os pais de Pat) suplantam o arquétipo e a caricatura da situação. Esse contraste, digamos, conceitual só amplia o quanto a redenção das próprias fraquezas é algo universal e violentamente assimilável. Se o arrebatador Amor nos cobrava lucidez , esse O Lado Bom da Vida nos revela como o amor pode ser relativo.

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Claro que por ser uma produção chancelada pelos (para o bem ou para o mal) ardilosos irmãos Weinstein, o filme desperte alguma desconfiança prévia. Realmente os caras (com a máquina de lobby precisa na indústria americana) já promoveu muita porcaria, atestando o poder de influência da dupla no meio, mas O Lado Bom da Vida se justifica por si só e o fato de ter sido muito premiado por outros tipos de premiações acaba sendo uma resposta clara.

O Oscar 2013 deveria ter dado seu principal prêmio de melhor atriz para a interpretação definitiva de Emanuelle Riva no já citado Amor, mas nas mãos de Lawrence não chega a ser o absurdo cometido em 1998 quando saiu de Fernanda Montenegro para a palidez literal de Gwyneth Paltrow. Jennifer impõe uma vivacidade e compreensão a sua personagem de forma tão madura para sua pouca idade que impressiona. Cooper se reinventa e demonstra um talento que Hollywood ainda não o havia dado oportunidade de mostrar. Jacki Weaver, atriz australiana já indicada por Reino Animal, ainda tem muito o que mostrar com sua sensibilidade no olhar e De Niro há muitos anos que não entrega uma atuação tão orgânica e fora de sua costumeira variação de si mesmo.

Enfim, um elenco que justificou com glórias todas as indicações de interpretação. Mas para além disso, o diretor conseguiu fazer de seu filme um retrato legitimo da ilegitimidade do amor. E da loucura. Nietzsche assim, só esqueceu de dizer que a razão nessa questão, chama-se vida.

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