“O Quarto de Jack” perturba na mesma medida que emociona

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Criar filhos não é fácil. Ainda mais num mundo cada vez mais caótico e ilógico, que torna as coisas ainda mais difíceis, especialmente na questão de manter a sua sanidade intacta. Agora imagine criar uma criança num espaço mais do que limitado, onde tudo que o você pode fazer é, apesar da privação de sua liberdade, torná-la uma pessoa boa e feliz. E é isso o que acontece no belo e incômodo “O Quarto de Jack” (“Room”, 2015), que mostra como é complicado superar uma terrível situação que toma conta de sua vida, mas que, ainda assim é possível encontrar um caminho para dias melhores. Especialmente se, no processo, você conta com alguém que desperta um amor incondicional dentro de si.

A história é contada pelos olhos de Jack (Jacob Tremblay), um menino que vive com a mãe, Joy (Brie Larson), que cuida dele com dedicação e afeto, fazendo o possível para suprir as suas necessidades e deixá-lo se sentir amado e protegido. A relação entre os dois seria a esperada entre mãe e filho, não fosse por um detalhe: ambos estão confinados em um quarto de 10m² sem janelas, que tem apenas uma claraboia que lhes mostra o céu.

Jack cresce nesse solitário mundo acreditando que tudo se resume a esse quarto, onde não recebem visitas, a não ser do Velho Nick (Sean Bridges), que a mãe faz o possível para que o menino não tenha contato com ele. Mas quando faz cinco anos, a curiosidade do garoto aumenta sobre a situação em que vivem. Assim, a mãe decide traçar um plano de fuga, o que os leva a encarar algo assustador: o mundo real.

A primeira parte de “O Quarto de Jack” chama a atenção por mostrar os esforços de Joy em tornar a vida do filho menos miserável do que aparenta, já que, ao perceber que estava presa num local minúsculo e em péssimas condições, precisou dar ao menino uma maneira para conviver bem naquele pequeno universo que tinha à sua disposição, enquanto pensa numa forma de escapar do cárcere involuntário.

Quando chega a segunda parte, o filme parte para uma abordagem mais convencional, mas não menos perturbadora, já que Jack e sua mãe têm que lidar com questões que não estavam preparados, especialmente em relação aos avós da criança, Nancy (Joan Allen) e Richard (William H Macy), que têm reações adversas em relação a tudo o que aconteceu.

Felizmente, o filme conta com uma ótima direção de Lenny Abrahamson, responsável pelo ótimo “Frank”, que conduz o filme com firmeza e sem cair na pieguice, uma armadilha que poderia acontecer com outros realizadores menos capacitados. Outro grande mérito está no roteiro de Emma Donoghue, inspirado no livro que ela mesma escreveu (“Quarto”, lançado no Brasil pela Verus Editora), e concorre ao Oscar deste ano, com bons diálogos, especialmente os que envolvem Jack e sua mãe, reforçando a sua cumplicidade mesmo diante das novidades e estranhezas que notam no mundo real.

Mas o principal mérito de “O Quarto de Jack” está mesmo em seu ótimo elenco. A jovem Brie Larson tem aqui seu melhor papel até agora e encarou o difícil desafio de interpretá-lo com garra e bastante focada. Ela consegue convencer especialmente nos momentos em que se sente inadequada em sua família, ao mesmo tempo que percebe que precisa continuar a ser o Norte do filho, que a ama incondicionalmente.

O menino Jacob Tremblay é o grande nome do filme e sua atuação é brilhante, principalmente porque, na tela, não vemos uma criança totalmente mecânica e metida a ser um adulto precoce, como muitas vezes ocorre com atores mirins. A cena em que ele olha espantado para o céu, fora do quarto, é sensacional graças ao olhar espantado e maravilhado que o menino faz. Além disso, ele possui um carisma natural, que pode torná-lo um astro nos próximos anos. Joan Allen tem mais uma eficiente performance como Nancy e divide bons momentos com Tremblay. Já William H Macy não tem muito o que fazer como Richard e Sean Bridges faz Nick de forma asquerosa, como pede o seu papel.

Quem tem filhos (ou pensa em tê-los) pode realmente se assustar com algumas questões levantadas por “O Quarto de Jack”, pois sua história lida com temores reais que a maioria das pessoas gostaria que nunca acontecessem. Mas o filme, mesmo assim, vale a pena ser conferido por mostrar que o amor materno pode superar grandes e pequenos problemas que surgem quando colocamos uma criança no mundo. Afinal de contas, não há regras nem limites (como aliás, diz o slogan do cartaz) para amar alguém que veio de você.

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