AcervoCríticasFilmes

“Real: O Plano Por Trás da História” tenta transformar medida econômica em espetáculo

Compartilhe
Compartilhe

O Plano Real, que, em tese, deu estabilidade econômica ao Brasil foi uma operação complexa e dolorosa de se implementar. O país afundava em uma falência econômica que não parecia ter fim e derrubar a hiperinflação parecia uma missão impossível. Não para o então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso e sua equipe. Querelas à parte, foi o plano econômico mais durarouro da História do país. Motivo suficiente para ganhar um filme. “Real: O Plano Por Trás da História” (Brasil, 2017), não é focado em Fernando Henrique, como se podia pensar.

Inspirado no livro “3000 dias no Bunker”, de Guilherme Fiuza, o fio condutor é a trajetória do economista Gustavo Franco (Emilio Orciollo Netto), integrante da equipe responsável pela criação e implementação do plano econômico. Sob o comando de FHC (Norival Rizzo), nomeado Ministro da Fazenda pelo presidente Itamar Franco (Bemvindo Siqueira), o grupo teve de lutar contra o descrédito do próprio governo para por em prática, a toque de caixa, a medida que salvaria a combalida economia.

Como quase toda cinebiografia, a duração limitada obriga a acentuar características dos biografados, tornando-os pessoas unidimensionais. Gustavo é apresentado de maneira quase caricatural como arrogante, inflexível e opositor de políticas sociais. Itamar é retratado como histérico e desesperado, temeroso de ter o mesmo fim de Fernando Collor. A culpa passa longe dos atores, cuja excelência é indiscutível. Independente de ser uma versão romanceada dos fatos reais, como lemos na introdução, a produção falha na construção dos personagens. O que talvez esteja em um tom próximo da realidade é Pedro Malan (Tato Gabus Mendes).

Fica claro que o diretor Rodrigo Bittencourt quis contar a história da força-tarefa econômica evocando o heroísmo. Contudo, abusa de clichês na sua linguagem visual com objetivo de dar um tom épico à trama. A tomada que mostra os membros da equipe caminhando em câmera lenta pela esplanada remete aos filmes de Michael Bay. A sequência que alterna os trabalhos da equipe com Gustavo praticando corrida, tendo como pano de fundo o pôr do sol do cerrado, com cara de obstinado, mais parecem uma propaganda do Governo Federal. Os vários planos explorando a grandiosidade arquitetônica de Brasília têm sua beleza, mas logo se revelam um recurso para compensar os deslizes do roteiro.

Para muitos, o filme foi concebido como obra eleitoreira. Mas nem isso fica muito claro. É como se o roteirista Mikael de Albuquerque jogasse nos dois lados. A personificação de Gustavo sugere uma crítica á direita. Mas quando vemos em cena afigura do senador Gonçalves (Juliano Carrazé), um nítido estereótipo do “petralha”, é irresistível enxergar ali uma troça com a esquerda. Na cena em que Gustavo se encontra na sessão da CPI do Banestado em 2003, ele joga na cara do petista que foi graças a seu plano que o Partido dos Trabalhadores pode investir em seu programa desenvolvimentista. E a resposta de Gonçalves que afirma que seu partido defende a verdade e a honestidade soa como uma proposital ironia no roteiro.

No fim das contas, por prevalecer a láurea sobre a medida econômica, o longa pode sim ser encarado como peça eleitoreira. Bem mais sutil do que “Lula: O Filho do Brasil”, é verdade. No entanto, por mais que não enalteça nenhuma figura humana, sabemos muito bem a qual partido político a imagem da moeda está vinculada (apesar de ter sido criada em um governo tampão). Questões políticas à parte, “Real” que tem como influência filmes políticos americanos como “Wall Street: Poder e Cobiça”, “O Grande Golpe” e “Todos Os Homens do Presidente”, passa longe de se equiparar a essas obras. Precipita-se em simplificar demais uma questão complexa e transformá-la em espetáculo de massa, com o sistematismo característico de uma equipe econômica. Mas isso aqui é (ou deveria ser) cinema.

Filme: “Real: A História Por Trás do Plano”
Direção: Rodrigo Bittencourt
Elenco: Emíllio Orciollo Netto, Tato Gabus Mendes, Norival Rizzo
Gênero: Cinebiografia, Drama Histórico
País: Brasil
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Paris Filmes
Duração: 1h 35min
Classificação: 12 anos

Compartilhe

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos
CríticasFilmesLançamentos

Crônica de uma relação passageira: amor nos tempos modernos

Ah, l’amour! O amor foi assunto de milhares, talvez milhões de filmes....

AgendaFilmes

Estação Net faz a 2ª edição de sua mostra com filmes natalinos

O Grupo Estação Net está fazendo, de 19 a 22 de dezembro,...

FilmesNotíciasPremiações

The New York Times inclui ‘Ainda Estou Aqui’ nas apostas para Melhor Filme

O jornal The New York Times recentemente destacou o filme brasileiro “Ainda...

FilmesTrailersVideos

Superman – Reboot nos cinemas ganha aguardado trailer!

Superman, o icônico super-herói da DC Comics, está de volta ao cinema...

CríticasFilmes

Mufasa mostra o que poderia ter sido o “live-action” de O Rei Leão

“Mufasa: O Rei Leão” é já previsível manobra da Disney de continuar...

FilmesNotíciasPremiações

Oscar 2025: “Ainda Estou Aqui” aparece na pré-lista de Melhor Filme Internacional

O filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, foi anunciado...

CríticasFilmes

Kraven é a despedida melancólica do Sonyverso

Ninguém acreditava que “Kraven, O Caçador” seria qualquer coisa distinta do que...