O que uma boa conversa pode gerar? No mínimo um bom momento a ser recordado, no máximo, uma obra de arte. Conversas se multiplicam em nossas vidas, preenchem nosso dia a dia, nos dão ideias, nos fazem refletir. Conversar é natural do ser humano, mesmo para aqueles que são mais introvertidos. Conversas são o fio condutor do filme Seus Ossos e Seus Olhos, e o elo entre elas é a presença, como interlocutor ou ouvinte, de João (Caetano Gotardo).
Conversas entre amigos. Entre namorados ou ficantes. Conversas que se transformam em monólogo num ensaio teatral. Conversas sobre o último encontro com um amor do passado. Sobre um amor de adolescência. Sobre um poema de Florbela Espanca. Sobre encontros mundanos com pedintes nas ruas. Sobre amor e amar. Conversas que se modificam, se transformam, nas quais “quem conta um conto aumenta um ponto”. São essas as conversas que nos são apresentadas em Seus Ossos e Seus Olhos.
Algumas sequências simplesmente não se justificam. Uma delas é quando surge um filme dentro do filme, uma vez que o personagem principal, João, trabalha com cinema. O que poderia se tornar metalinguístico, com a cena com Irene (Malu Galli) sendo um exercício ficcional, não se desenvolve para além de alguns frames sem som. Outra sequência é a da performance dos braços desgovernados, que se prolonga na tela sem justificativa, sendo apenas cringe.
Caetano Gotardo é diretor, roteirista, montador e ator principal de Seus Ossos e Seus Olhos. A ideia para o longa surgiu em 2009, quando ele finalizava um curta-metragem. Depois de anos incubando a ideia, Caetano escreveu o roteiro em apenas três dias e gravou o filme em oito dias, com uma equipe de somente seis pessoas. Sobre o longa Gotardo declarou:
“A mim, interessavam pequenas questões do cotidiano em torno de personagens que lidavam com processos de criação e que se encontravam, tentavam se comunicar, falavam, ouviam, estabeleciam reais trocas afetivas, observavam, se movimentavam, vivenciavam alguns aspectos da cidade de São Paulo, falhavam, mostravam fraquezas, mas também se mantinham em busca da construção de algo.”
Ele também destaca como o filme é majoritariamente sobre encontros:
“O encontro nem sempre se dá, mesmo quando duas pessoas estão juntas no mesmo espaço conversando. E, quando se dá, tem uma força evidente. De qualquer maneira, cada uma das pessoas envolvidas percebe aquele encontro de uma forma diferente – e, na memória, o momento ganhará ainda outras camadas de incerteza e de invenção. Me interessava trabalhar isso também no filme. O campo instável das percepções subjetivas.”
Mantendo o equilíbrio na linha tênue entre filme experimental e cinema convencional, o filme é curioso, instigante até. Pena que não passe disso: uma curiosidade que gera pouca reflexão. Ademais, o filme perde a chance de ouro de terminar num círculo perfeito, trazendo os personagens da primeira conversa para a última. Ao invés disso, ele se prolonga, ecoando outra conversa menos significativa que a primeira. Saber começar um filme é uma arte, mas saber terminá-lo talvez seja ainda mais importante. Uma pena que isso não aconteça aqui.
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