O filme se inicia com duas personagens, um homem e uma mulher, sentados lado a lado num trem rumo ao Algarve. O homem está visível e exageradamente angustiado e, com a mínima naturalidade possível, ambos começam a conversar sobre o que tanto o amargura. Eles raramente se olham, na verdade, enquanto conversam, ambos olham para o mesmo lugar, fora de quadro, dando a impressão de que estão lendo o texto ou de que estão em postura assumidamente teatral. Há uma terceira interpretação – ao meu ver – desta cena, e é a de que o diretor está se divertindo, às custas do texto e do espectador.
Se este é o seu primeiro contato com o cineasta português Manuel de Oliveira não se assuste, seus filmes podem causar desconforto. Não por tabus ou imagens fortes, mas pelo tom quase surreal de algumas de suas obras.
Cabe aqui uma confissão. Ao me sentar na poltrona, eu tinha apenas três informações:
a) Manuel de Oliveira fez esse filme aos 100 anos de idade – hoje tem 102 e continua ativo – algo extremamente invejável;
b) O filme se baseia no conto homônimo de Eça de Queiroz, publicado em 1902, conhecido por sua ironia quanto às comédias de costumes da época e;
c) A metragem da película mal chegava aos 65 minutos, o que me fez imaginar, de antemão, que seria provavelmente uma tentativa do diretor, um senhor já sem a mesma disposição de antigamente por causa da idade, de extender ao máximo uma história curta.
Alterando muito pouco da linguagem do próprio Eça – que já era irônica para a época – Manuel de Oliveira nos conta a história de Macário, empregado e inquilino de seu tio, que se apaixona pela bela rapariga loura do outro lado da rua, Luísa, vista através da janela de seu escritório. Em primeiro momento, perturba o fato de os diálogos com mais de um século não sofrerem mudanças em 2009 – ano de produção do longa – tudo parece forçado demais.
Da rapariga, mal podemos extrair alguma coisa, do tio, só entendemos uma dureza quase senil. Algumas cenas interrompem o desenvolvimento da história a troco de nada, enquanto a maior parte dela se desenrola nas elipses do roteiro. A impressão seguinte é a de que a maioria das cenas foi filmada em apenas um take, sem muito ensaio, o filme mais parece um mosaico mal costurado de cenas teatrais e Manuel de Oliveira simplesmente não se importa com isso.
Mas eu percebia algumas pessoas rindo bastante de certas sequências, o que me deixou atônito. Para tudo tem gosto, até que no meio dessa curta história, um beijo acontece, uma perna se levanta, de novo, sem qualquer sutileza. Foi quando (acho que) entendi, finalmente, o que assistia. Na falta de sutileza desta história sobre amor numa sociedade arcaica tão inverossímil nos dias de hoje – sim, o tio de Macário prefere deixá-lo na miséria a permitir que o sobrinho se case – estavam o humor sutil e a forte ironia da obra. Não era o diretor que estava impossibilitado de filmar um filme maior, ele só estava interessado em filmar as cenas em que melhor pudesse expor suas personagens ao ridículo. No corte súbito da bela cena que antecede o derradeiro quadro do filme, foi a minha vez de cair nas gargalhadas.
Talvez seja um filme só para conosseurs de Eça de Queiroz e Manuel de Oliveira – o que eu definitivamente não sou – ou talvez seja uma tragicomédia incompreendida que um dia receberá o devido crédito, mas, mesmo tendo entendido – acho eu – a piada, a soma dos fatores não é interessante o suficiente.
[xrr rating=2/5]
Comente!