Softie: um belo “coming of age” LGBTQIA+

A emancipação pelos olhos de uma criança queer

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ESTA CRÍTICA TEM SPOILERS

O primeiro amor a gente nunca esquece. Se ele não é correspondido, torna-se ainda mais relevante na nossa vida. Se for proibido então… pode virar filme pelas mãos dos mais habilidosos. É isso que aconteceu com o ator, diretor e roteirista Samuel Theis, que se baseou na própria história para criar uma trama de primeiro amor nada clichê.

Johnny (Aliocha Reinert) é um menino de dez anos de idade que tem olhos azuis, longos cabelos loiros e a sensibilidade aguçada típica das crianças inteligentes, categoria que parece ser mais fácil de encontrar no cinema que na vida real. No primeiro dia de aula na nova escola, seu professor, Monsieur Jean Adamski (Antoine Reinartz), pergunta a todos os alunos como eles se imaginam dali a vinte anos. Johnny não sabe responder: pudera, pois ele ainda está se descobrindo.

Johnny vem de uma família disfuncional, tipo que também parece ser mais comum no cinema que na vida real. Sua mãe Sonia (Mélissa Alexa) trabalha numa tabacaria e coleciona namorados. Johnny tem um irmão mais velho e uma irmã mais nova, de quem costuma tomar conta quando não está na escola. Um dia, depois de ser agredido pela mãe, ele vai até a casa de Monsieur Adamski – local que ele conhece porque seguiu o professor. Lá, ele conhece a namorada do mestre, que mais tarde cruza o limite da relação professor-aluno ao convidar o garoto para passar uma noite no museu onde ela trabalha.

Até mais da metade do tempo de projeção, o filme não nos fala a que veio. Seria Johnny um pequeno prodígio cujo talento será cultivado por Monsieur Adamski? Será que ele vai se dedicar à corrida, também influenciado pelo mestre? São estes dois personagens os protagonistas, sem dúvidas, mas a história deles é outra. Johnny está apaixonado pelo professor.

O título original do filme, “Petite nature”, diz respeito a uma gíria francesa que está próxima do que nós chamamos de “maricas”. O termo em inglês, que também virou título no Brasil, significa, segundo o dicionário Cambridge: “uma pessoa gentil que não se impõe, que procura pelo que é agradável na vida e pode ser facilmente persuadida a fazer o que os outros querem”. Fica claro por essa definição que tudo o que a mãe de Johnny não quer que ele seja é exatamente isso: um “softie”.

O filme, estreia de Samuel Theis como diretor solo, vem sendo bem-recebido desde que estreou em Cannes em maio de 2021. O destaque, obviamente, vai para a atuação prodigiosa de Aliocha Reinert, que foi até mesmo indicado para o prêmio César, o Oscar do cinema francês, na categoria Melhor Ator Promissor. Encontrar o ator certo para o protagonista foi uma pequena e bela odisseia, como nos conta Theis:

 “Eu queria um garoto com cabelo comprido, e de natureza delicada, já tocado por questões de sexualidade e de gênero. Aliocha apareceu. Ele tinha cabelo comprido, ele fazia balé. Contei aos pais dele o que acontece no filme, pois queria que ficasse claro. E, com muita sabedoria, eles me disseram que seria uma decisão de Aliocha. Ele pediu um tempo para pensar sobre isso, o que achei muito bonito. Ele me ligou alguns dias depois, dizendo que sentia que era capaz de fazer o personagem. (…) Tomar essa decisão foi muito corajoso da parte dele.

Ao dizer que “filmar a infância sempre envolve explorar as primeiras vezes”, Samuel Theis não mentiu: Softie é um filme de muitas primeiras vezes, não só no romance, mas também no desenvolvimento de uma criança que passa a querer se emancipar de sua família e de tudo que ela representa – muito patente na cena do desabafo de Johnny durante um jantar em família. Seu despertar sexual é também intelectual e de consciência de classe, o que faz de Softie um filme que vai muito além do que parece à primeira vista.

Softie

Softie
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Nota: 7/10 Ótimo
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