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Resenha: Um Doce Olhar

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É de se comemorar que o vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlin 2010 chegue ao Brasil em circuito comercial sem que precisemos aguardar a sua passagem por um grande festival e mais alguns tantos meses de espera, como é de praxe com produções premiadas na Europa. Há de se comemorar, também, pois é mais um triunfo do cinema turco (que eu admito, ainda pouco conheço, mas me fascina). Ao contrário dos filmes que se passam em cidades grandes como Istambul, Um Doce Olhar nos transporta para uma região montanhosa com paisagens de tirar o fôlego, em meio a uma comunidade tradicional, onde é impossível definir em que década se passa a história. Lá acompanhamos a vida do garoto Yusuf, de seis anos, ao lado de seu pai apicultor Yakup e sua mãe lavradora Zehra.

Yusuf tem uma certa resistência à sua mãe, que não o trata de maneira dura, mas é quem o força a tomar leite e fazer o dever de casa, o suficiente para que qualquer criança de 6 anos a trate com o respeito e a reverência muda que uma vilã exigiria. Já Yakup é cúmplice e confidente. Um dos segredos que eles guardam são em relação aos sonhos de Yusuf, que ele só conta para o seu pai. A química entre os dois é inegável, mesmo quando ambos vão para o meio da floresta retirar o mel das colméias. Na escola, Yusuf quer ganhar o broche de mérito para dar orgulho a seu pai, mas ele tem problemas com timidez e ansiedade que o impedem de ler os textos em voz alta. Esses pequenos dramas permeiam a sua vida, até que seu pai demora demais a voltar de uma viagem para procurar mel em territórios distantes e Yusuf se dá conta de que existem dificuldade bem maiores ao seu redor, no mundo que o espera.

Filmes com crianças como protagonistas tem um grande potencial de desastre, onde a pouca naturalidade pode acabar com um roteiro. Por isso, alguns cineastas precisam encontrar o ator (ou não-ator) mirim perfeito para os papél, ou não há filme. Tivemos alguns ótimos exemplos recentemente (Dublê de Anjo e A Culpa é do Fidel), mas não consigo lembrar de alguma interpretação mirim dramática tão pontual e fascinante quanto a de Bora Altas, o garoto que vive o protagonista Yusuf. Não há qualquer melodrama ali, mas de maneira totalmente natural e hipnótica, ele domina cada um dos momentos de silêncio do longa com maestria. Sua gagueira enquanto tenta ler os textos em voz alta na escola e a pouca afetividade com a sua mãe são momentos tão belos quanto assustadores.

Grande crédito também vai para o roteiro de Kaplanoglu e Orçun Köksal, que não criaram um Yusuf ideal, digno de pena e sorrisos. Ele é um ser humano real e completo, com suas qualidades e defeitos, oferecendo alguns golpes baixos quando cegado pelo ciúme. Apesar do filme se desenvolver vagarosamente, com poucas falas e aparentemente pouca ação, na verdade há toda uma ebulição de sentimentos ocorrendo a cada sequência, tanto através de Yusuf e seus pais ou pelo uso da belíssima fotografia que nada mais faz do que colocar a câmera no lugar certo para captar a extraordinária beleza dos campos turcos. Não é o seu típico filme de festival que estica demais uma boa idéia e se arrasta por horas.

Um Doce Olhar (Bal, no título original, significa Mel) é a terceira parte da trilogia do personagem Yusuf, dirigida pelo cineasta turco Semih Kaplanoglu. Nos filmes anteriores, Yumurta (Ovo), de 2007, e Sut, (Leite), de 2008, a vida de Yusuf adolescente e adulto é explorada, mas é neste último ato que conhecemos a sua infância. Os dois filmes anteriores não foram lançados comercialmente no Brasil, mas cada filme é auto-suficiente e funciona separadamente, sem que assistir aos outros seja um pré-requisito para entender a história. Agora fico na esperança de ver o resto da obra de Kaplanoglu lançada por aqui, nos cinemas e em DVD.

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=HPHlmt31dvg[/youtube]

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5 Comentários

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  • Um doce olhar é um filme mágico, muito bem roteirizado e no centro um personagem de nuances angelical e de uma força interior quase adulta. Um cenário natural de grandiosa beleza, um silêncio que fala aos nossos olhos. Yusuf é um menino que expressa toda a genialidade de uma criança bem criada mas, seus fantasmas, medos e receios o torna tímido e isolado, como que quizesse se proteger do imaginável mundos dos grandes, de um doce olhar e expressões faciais firmes mas inocente. Tenho a impressão de que o pequeno ator colocou tudo dele nesse personagem. É extraordinário ver crianças serem conduzidas com maestria e explorar todo um talento que ás vezes nem ela própria saiba ter. Não me canso de assistir, posso dizer qué meu filme de cabeceira. Parabéns a por todo o contexto que compõem essa obra.

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