“Verão de Skylab”, novo filme de Julie Delpy, é um deleite afetivo

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Através do artifício narrativo da memória, explicitado tecnicamente pelo flashback, Delpy nos leva de volta a um fim de semana situado nos anos 70, para uma reunião de família da protagonista, Albertine (Lou Alvarez), então com seus 12 anos.

A grande família se junta para comemorar o aniversário da avó, matriarca do grupo, numa casa de campo no interior da França. O título do filme se deve a um evento que realmente ocorreu em 1979, quando os jornais previram que um foguete da NASA que havia se desintegrado no espaço poderia cair naquela região naquele final de semana. O foco de destaca entre dois grupos, o das crianças e o dos adultos. As crianças e os adolescentes se concentram em seus momentos de brincadeiras, desenhos animados e histórias de terror no meio da noite e os adultos se dividem entre as banalidades e a política.
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A estrutura narrativa se divide em três grandes momentos: o almoço em família, a ida à praia e a festa. O almoço é o momento mais emblemático, quando temos apresentações musicais, pequenas conversas nos diferentes grupinhos e aos poucos vamos conhecendo os personagens. O clima do filme é de muita intimidade. A sensação que dá é que estes atores todos passaram um tempo juntos para poderem estabelecer essa sintonia. Há muito carinho, apesar do confronto de ideias e discussões entre irmãos.

Todas as questões políticas não são aprofundadas. Toca-se no assunto das guerras, nos direitos trabalhistas, no consumismo, nas eleições, mas apenas como pano de fundo que contextualiza aquele momento e os personagens que passaram pela infância da protagonista, assim como de Julie Delpy. Apesar de estarem ali por debaixo do clima de família e do momento de lazer, deixam claro terem sido essenciais na construção do caráter de Albertine.

Um dos pontos mais interessante a serem ressaltados é o uso da trilha sonora, que aparece bastante pontualmente. A maior parte das músicas pertence ao que está acontecendo dentro das cenas (diegética). Poucas vezes uma canção vem artificialmente, deixando-se ouvir vários momentos de silêncio ou simplesmente de ambiente local. Esse é um dos pontos que contribui para gerar naturalidade ao filme. Outro advém do fato do roteiro ter sido inspirado em histórias vividas pela diretora, o que nos leva a pensar que ela conhece muito bem aquele universo e foi capaz de trazer muitas situações que preencheram de alegria e conforto.

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Um segundo ponto a ser destacado são os diálogos. O texto flui muito bem, além de parecer espontâneo para os personagens. Os pais da protagonista, representantes da era hippie, liberal, são os radicais de esquerda da família e também o exemplo de pais que possuem um método carinhoso e aberto de tratar sua filha, fazendo piadas de duplo sentido ou falando palavrões na frente das crianças sem se importar. Em contraponto, temos os pais mais severos ou mais ausentes representados pelos outros irmãos, que são ríspidos ou que, por exemplo, temem pela escolha sexual de seu filho.

Um dos momentos mais lindos é quando Albert Delpy, o pai de Julie Delpy na vida real, tio avô de Albertine na história, surpreende a todos na mesa, cantando uma música com seu jeito inocente. Instante de candura, pausa para o humor que retoma logo a seguir.

Visualmente é um filme deslumbrante, ainda que intimista. O uso das cores, bem vivas, lembrando fotos que vemos dessa época, além de uma reprodução realista das roupas e penteados dos anos 70 nos leva a uma agradável viagem no tempo.

O filme surpreende pela maturidade da diretora, que faz escolhas mais simples do que previamente em seu trabalho para contar essa história com humor e leveza, ainda que mantendo a seriedade do conflito entre os personagens e nos trazendo um panorama afetivo e recheado de oposições tão presentes neste período.

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