Antes de iniciar esta breve resenha gostaria de avisar que ela contém diversos spoilers e comentários sobre a HQ e a película. Talvez seja bom avisar que como um todo, não irei traçar uma visão muito positiva da adaptação.
Ainda não sei responder se Watchmen é um bom filme… É possível que sim, mas na cabeça de alguém que já releu a minissérie tantas vezes fica bastante difícil de tirar uma conclusão mais precisa. Afinal, Watchmen é uma das melhores histórias já contadas, e não há como negar que o filme seja bastante fiel a ela. Talvez este seja até mesmo um dos seus maiores defeitos. O Cavaleiro das Trevas de Nolan é tão maravilhoso por ser original, ele respeita o espírito da HQ, mas produz algo novo e muito especial sobre aquele universo. Apesar disso, reconheço que como este é baseado em uma série contínua, acaba não servindo de exemplo. Bom exemplo mesmo é “V de Vingança”, que ao contrário de Wacthmen não é nem um pouco uma reprodução da HQ quadro a quadro, ainda que seja inferior a matéria prima, em V temos completamente a alma e o sentido da obra original sob uma nova dinâmica e coerente roupagem. O filme dos irmãos de Matrix se tornou uma nova e bem sucedida versão da narrativa de Alan Moore.
Watchmen é uma obra magistral, com cerca de 360 páginas, nos é narrada uma história que perpassa por mais de 100 personagens e por 50 anos de um mundo complexo e diferente. O filme, obviamente, foi obrigado a deixar boa parte deste conteúdo para trás e de fato não havia outra forma de realizá-lo. O problema se dá por causa de algumas escolhas de cortes que foram muito mal sucedidas, pior ainda, muito conteúdo inútil foi adicionado à história. Detendo-me um pouco sobre este tema, posso citar coisas bizarras como a paternidade de Laurie Júpiter, que acabou ganhando um ar esquizofrênico e resolvido aos atropelos (como assim o Dr. Manhanttan tentou fazê-la ver o mundo como ele? WTF? Na HQ eles conversam a respeito do passado dela e aos poucos a personagem vai chegando a esta conclusão, a partir de algo muito mais emotivo e palpável do que um raio do Dr. pilha azul), se o filme não mostra os envolvimentos de Veidt com engenharia genética, como o Bubastis aparece na fortaleza do mesmo (deixando qualquer um que não leu a HQ sem a mínima idéia de por que ele tem aquele bixo bizarro)? Toda a história dos Minutemen também foi para o saco, assim como as vidas de todos os personagens humanos normais da HQ (mais sobre isso adiante). O maior buraco, é claro, fica por conta de todo desenvolvimento sutil da obra de Adrian Veidt, mas isso é compreensível pelo novo e bastante satisfatório desfecho do mesmo.
Em contrapartida a este problema, é possível afirmar que Watchmen sofre do mesmo mal de 300, que é essa busca pelo gore e pela brutalidade exagerada do diretor. Tivemos várias cenas de ação que ficaram gigantes e ridículas completamente sem motivo. O assassinato de Blake (sem dúvida a melhor das cenas do filme, que casou muito bem com “Unforgettable” de Nat King Cole) que no original se limita a um soco e um empurrão pela janela transcorre por uma seqüência bastante grande de violência com um uso exagerado da câmera lenta. Isso por que estamos falando da cena mais legal. Eu entendo que por algum motivo existe a lógica de que se tem porrada e sangue a coisa vende e é legal, mas isso não é Watchmen, e a coisa fica incoerente com o resto da película. O filme, assim como 300 é um grande exagero apologético a violência desnecessária. Para citar alguns exemplos: Rorscharch para fugir da polícia, usa seu lança-chamas na roupa de um policial e depois corre pelas escadas, e ao cair da janela é preso sem luta, no filme ele queima vários e ainda dá muito porrada antes de cair. Em 77, quando o Coruja e o Comediante tentam dispersar a multidão enfurecida, Blake faz uso de uma granada de gás lacrimogêneo que é o suficiente para que as pessoas saiam de lá, no filme, ele desce da nave, enche as pessoas de porrada e tiros e só aí lança a granada (ambos terminam a cena atirando no pichador pelo menos). Quando o Coruja e a Espectral (é assim em português?) vão fazer o resgate na prisão, eles ligam um barulho na nave que faz com que as pessoas fiquem atordoadas, durante todo o resgate eles só dão um único soco, no filme é uma grande seqüência de ação. O mesmo vale para praticamente todas as lutas grandes e chatas do filme, que raramente passavam de uma página nas HQs (às vezes limitadas a um único quadrinho). Se não havia espaço para desenvolver a história direito, por que dar espaço a porradaria sem sentido?
Sobre a questão da sanguinolência (do famoso gore), por algum motivo, todas as lutas mostravam fraturas bizarras e sangue que não aparece nas HQs. O auge se dá na prisão, onde na obra original o primeiro capanga, aquele que fica preso a grade, não tem seus braços decepados, e Rorscharch quebra no chute o bidê matando o segundo eletrocutado. Algo simples e funcional, cuja transcrição para o filme se tornou bastante chocante sem trazer nenhum acréscimo à trama.
O que nos traz ao que para mim é o grande problema do filme. Na história de Moore, obviamente por ter mais espaço, não só adquirimos um conhecimento muito mais profundo daqueles personagens, mas outros tantos também nos são mostrados. O Jornaleiro, os policiais, o garoto da banca, a família do psicólogo, enfim, dezenas de personagens normais aparecem e nos cativam com suas histórias e a familiaridade inata a condição de cidadãos comuns. No filme não vemos praticamente nenhum deles e quando Nova York é destruída, a impressão que me passou foi de irrelevância. Todos os heróis sobreviveram, nós não conhecíamos ninguém ou sabíamos nada sobre aquela Nova York bizarra que aparece nas telas. Não existe sentimento. O filme me parece uma reprodução fria e bruta da HQ. Eu até gostei do final alterado, mas o problema é que não me senti tocado por ele. Bom mesmo é o fim da HQ, onde a Sally Júpiter, depois de conversar com a filha e seu novo marido (o Dan, que assume o nome de seu funesto amigo Hollis Manson), vai até o seu quarto emocionada e dá um beijo na foto do Comediante. O que é não ver as ruas de Nova York e os personagens que observamos por tanto tempo terem suas existências destruídas pelo genial plano de Veidt. Enquanto Laurie e Dan, depois de reconhecer a validade do plano de Ozymandias tentam preencher seu vazio fazendo amor ali mesmo, no palácio da Antártida. A grande verdade é que o filme, ainda que fiel, falhou completamente em sua tentativa de me despertar qualquer emoção que o ocasional “que legal”.
Eu ia falar um pouco sobre a estética do filme, e como ela em grande parte ficou muito boa e etc, mas acredito que isso seja falar o óbvio (e reclamar do visual ridículo do Adrian “Robin do Batman de Schumacker” Veidt, e da roupa de látex de uma heroína cujo nome Silk Spectre se traduz como Seda Espectral). Nesse sentido o filme vale bastante à pena. Até mesmo as músicas como um todo são bem legais, ainda que muitas delas me soarem às vezes fora de contexto, principalmente as mais agitadas (mas a citação a “Apocalipse Now” foi genial).
Mas enfim, Watchmen é um filme bom? Não sei, realmente não fez diferença para mim, pois na minha opinião é apenas uma versão bem mais fraca da obra prima dos quadrinhos.