“X-Men: Fênix Negra” encerra a saga dos heróis mutantes sem muito brilho

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Antes dos Vingadores serem os donos do pedaço na telona, os X-Men eram os queridinhos do público, especialmente os fãs de adaptações de quadrinhos para o cinema. Depois dos dois primeiros filmes, dirigidos por Bryan Singer em 2000 e 2003, a popularidade dos heróis mutantes da Marvel atingiu níveis jamais obtidos até então e ainda foi responsável por tornar Hugh Jackman um grande astro graças a seu trabalho como Wolverine. Mesmo com alguns tropeços aqui ou ali, nos episódios seguintes, a franquia se tornou forte o suficiente para criar expectativa toda vez que era anunciada uma nova produção envolvendo os personagens criados por Stan Lee e seus colaboradores da Casa da Ideias.

Por isso, não deixa de ser decepcionante ver que “X-Men: Fênix Negra” (“Dark Phoenix”, 2019), o escolhido para ser o desfecho dos heróis (antes do reboot que deve acontecer agora que a Disney comprou a Fox, estúdio da série, e deve inserir os personagens no Universo Cinematográfico Marvel num futuro não muito distante) seja uma obra que está longe de ser memorável, nunca alcança os seus objetivos e encerra esta fase de uma forma morna e, por que não dizer, melancólica. No mau sentido.

Inspirada na saga criada por Chris Claremont e desenhada por John Byrne, a trama ambientada em 1992 mostra que os X-Men agora são ídolos do grande público, a ponto de terem torcida organizada e uma linha de bonecos especializada neles, o que deixa o Professor Charles Xavier (James McAvoy) bastante orgulhoso e até mesmo um pouco arrogante. Tanto que, a pedido do presidente dos Estados Unidos, ele aceita enviar os X-Men para uma missão de resgate no espaço sideral, mesmo a contragosto de Mística (Jennifer Lawrence).

Durante a operação, Jean Grey (Sophie Turner) acaba exposta a uma espécie de radiação solar, que a deixa ainda mais poderosa do que ela já era. Aos poucos, ela começa a perder o controle de seus poderes a ponto de mudar sua personalidade e se voltar contra seus amigos. Para piorar, Magneto (Michael Fassbender) ressurge disposto a matar Jean para detê-la, ao mesmo tempo em que a misteriosa Vuk (Jessica Chastain) tenta convencer a jovem a ficar do seu lado. Os X-Men lutam contra o tempo para impedir que uma tragédia aconteça e, no processo, fazer com que Jean volte à razão.

Quando o roteirista e produtor Simon Kinberg, estreando na direção, anunciou que faria novamente uma adaptação da Saga da Fênix Negra, disse que sua intenção era reparar os erros que teria cometido em “X-Men: O Confronto Final” e fazer um filme que fizesse jus à história e ao amor que os fãs tinham a ela. Infelizmente, Kinberg conseguiu apenas cometer mais e novos erros, tornando “X-Men: Fênix Negra” um filme sem pulso firme, sem presença e que não honra o material-fonte em que se inspirou. É claro que, com um orçamento de US$ 200 milhões (estimados), o diretor novato pôde conduzir boas cenas de ação, como a do resgate no espaço e a que tem mais tempo de tela, ambientada num trem. Mas entre elas, há um abismo que vai se abrindo cada vez mais para baixo e tornando o filme desinteressante.

Além disso, Kinberg, aparentemente um fã do cinema de destruição caótica de Michael Bay, realiza uma sequência grandiloquente mas sem pé nem cabeça, que consiste em simplesmente atravessar uma rua. Acontece tanta coisa nela que pode-se dizer que o dinheiro gasto nela é um claro exemplo de mau investimento. Direção de atores? Não tem, tanto que nem mesmo os astros já conhecidos da franquia não conseguem sair do piloto automático em praticamente 80% do filme. Até Brett Ratner, criticado por seu trabalho em “X-Men: O Confronto Final”, fez melhor do que Kinberg neste aspecto.

O roteiro, também assinado pelo diretor, não consegue desenvolver bem a sua história e seus personagens, que são jogados de qualquer jeito na trama. Até mesmo o romance entre Jean e Ciclope (Tye Sheridan), algo marcante na saga dos quadrinhos (e que poderia render ótimos momentos de conflitos na protagonista) é mostrado sem nenhum aprofundamento e colocado de lado antes da primeira metade da história, relegando Scott Summers a uma espécie de guarda-costas do Professor X.

Além disso, a inserção de Vux e seus comparsas é feita de forma tão aleatória e desinteressante que o público não se importa com a ameaça que eles representam (ou deveriam representar). Outro erro está na maneira em que o Professor X é retratado, já que sua soberba é tão acentuada que até parece que ele é o grande vilão da história. Tanto que deve ter gente que vai torcer para que ele tenha o mesmo destino de Xavier em “X-Men: O Confronto Final” (tirando a cena pós-créditos daquele filme, claro), de tão idiota que ele se torna.

Por causa disso, James McAvoy faz o que pode para tornar o mentor dos X-Men ainda assim uma pessoa interessante. O ator até consegue seu intento (inclusive chama a atenção a maneira que diz suas falas, lembrando bastante o jeito de Patrick Stewart, o Xavier dos primeiros filmes), mas acaba sabotado pelo roteiro. O mesmo problema tem Michael Fassbender, que não faz muito diferente do que já tinha mostrado como Magneto. Jennifer Lawrence, pelo menos, pode dizer que teve a sorte de dizer as frases mais empoderadas do filme e que devem deixar o público (principalmente o feminino) extremamente feliz. Mas fora disso, não tem muito o que fazer no filme, assim como Nicholas Hoult, que pelo menos tem bons momentos com Lawrence na parte inicial da história. Os jovens Tye Sheridan e Alexandra Shipp também são desperdiçados e Kodi Smit-Mcphee só não fica anulado como o Noturno porque tem um (breve) momento dramático mais interessante do que seus colegas de elenco no terço final do filme.

O grande porém do filme está em sua protagonista. Embora seja carismática e bastante fotogênica, Sophie Turner não consegue em nenhum momento tornar sua Jean Grey mais profunda, especialmente nas cenas mais dramáticas, em que o espectador deveria se compadecer de seus conflitos internos. Afinal, sua bússola moral é radicalmente alterada e  a Sansa Stark de “Game of Thrones” falha em tornar convincente o fato de que ela é mesmo perigosa e instável, já que a atriz diz suas falas sem muita emoção e isso torna tudo muito complicado. Mas não é só Turner que decepciona num papel crucial para a trama. Jessica Chastain tem, provavelmente, a pior atuação de sua carreira como a estranha Vux, pois ela falha vergonhosamente em torná-la interessante. Na verdade, seu tom inexpressivo a deixa sem graça, a ponto de ninguém se importar quanto ao que ela realmente quer com Jean e quais são seus planos.

Mas, pelo menos, “X-Men: Fênix Negra” possui alguns atrativos, que valem a pena destacar. Um deles é mais uma sequência envolvendo o Mercúrio (Evan Peters) que, infelizmente, é sacado da trama sem cerimônia, mais ou menos como o personagem de Eric Stoltz em “Anaconda” (quem viu o filme, sabe do que estou escrevendo). Outro ponto positivo são as referências que vão agradar o coração do fã “old school” da Marvel e do cinema de ficção científica, como o surgimento de uma personagem que quase apareceu em “X-Men: Apocalipse” e uma cena que remete a  “Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan”. É uma pena, no entanto, que isso não é o suficiente para tirar a decepção do resultado final.

Apesar de não ser o pior episódio dos heróis mutantes (essa “honraria” ainda vai para o filme anterior), “X-Men: Fênix Negra” se mostra um epílogo indigno para uma franquia parcialmente responsável pelo “boom” que mostrou que era rentável adaptar personagens de quadrinhos para o cinema. O jeito agora é torcer para a Marvel Studios pegar este universo e mostrar que é possível, sim, dar um passo à frente na evolução deste sub-gênero que se tornou forte nos últimos anos e que vai se beneficiar tanto destes personagens e suas histórias incríveis. Basta não fazer o que foi feito aqui.

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