A História recente do nosso país está cheia de personagens e fatos interessantes e que dariam grandes filmes nacionais. É pena que o nosso cinema não acampa nem 1/3 dessa riqueza e, geralmente, quando o faz, o resultado é sempre aquém daquilo que poderia ser (A Paixão de Jacobina e Sonhos e Desejos estão aí para nos lembrar disso). Porém, quando o assunto é tratado com propriedade e apuro artístico, damos um banho naquilo que entendemos como bom cinema. E estou falando mesmo de Xingu, de Cao Hamburger.
Livremente baseado em histórias reais, Xingu, o novo trabalho de Hamburger, transforma a saga dos irmãos Villas-Bôas em uma grande aventura. O filme conta a trajetória corajosa de Claudio, Orlando e Leonardo. O irmãos, que estudaram em bons colégios, tinham bons empregos e resolveram largar tudo pela vida na mata. Desde os primeiros passos e os começos de contato com as tribos indígenas, Xingu, detalha esse encontro que mudou a vida deles para sempre. Descansando em redes improvisadas, fazendo fogueira, caçando animais, eles lutaram pela primeira terra indígena homologada pelo governo federal. Fato que ocorreu, em 1961, e que completa 50 anos em 2011. Até hoje, irmãos Villas-Bôas são considerados os grandes defensores dos índios no Brasil.
Transpor essa jornada épico-pessoal para a telona deve ter sido de uma complexidade violenta , mas Cao – que já havia demonstrado esmero e inteligência na transposição afetiva e notadamente política de um período do nosso país em O Ano que Meus Pais Saíram de Férias – foca sua lente no olhar de expedição desses irmãos para uma civilização um tanto distante de suas rotinas e que viria a mudar a forma como o próprio país olharia o chamado “Brasil profundo”. Esse relação que se estabelece entre dois universos tão díspares é a tônica da história e o que mais se justifica como parâmetro dramático. Mas ao estender isso para a construção humana dos envolvidos, o roteiro é bem menos feliz. As relações entre os personagens se dão de forma abruptas (a forma como os inseparáveis irmãos começam a divergir é ilustrada de forma banal) e até o discurso mesmo é questionável, já que, por exemplo, Cláudio (João Miguel, excelente), parece não tecer críticas ao relacionamento do irmão Leonardo (Caio Blat) com uma indígena, só para no decorrer da história, também se envolver com uma, para histeria de Orlando (Felipe Camargo). Fora a personagem de Maria Flor, que não tem qualquer função na trama, servindo ali para embelezar cenas. Algumas situações acabam soando artificiais, mas nada que tire a força, pelo menos documental, do filme.
João é um ator excepcional e seu Cláudio, entre a sensibilidade da iniciativa e a responsabilidade de uma “liderança”, é um personagem cheio de camadas, dentro da crueza de sua expedição. E o ator capta perfeitamente esse viés. Assim como Felipe Camargo, que definitivamente (e depois da ótima performance no televisivo Som & Fúria) foi redescoberto pela O2 Filmes. Aliás, a produtora do cineasta Fernando Meireles sempre traz a seus filmes uma qualidade técnica e um verniz (inclusive de marketing promocional) notável, que realmente merece a fama de “produtora de primeiro mundo”.
Xingu é mais um exercício sensível e tocante de Cao Hamburger em utilizar o cinema como ferramenta de revisão de um passado que diz muito sobre o caráter de nosso país. Mesmo que tenha lá suas falhas, é muito pertinente no tocante a mostrar como uma ação pessoal pôde transformar a relação do Estado com os índios, a tornando muito mais respeitosa, ainda que dentro de uma cínica realidade política.
[xrr rating=3.5/5]
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