O paradoxo lógico da discussão sobre games como forma de arte e sua característica naturalmente inconclusiva

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Já soa como algo por demais batido, mas, afinal, videogames são ou não são uma forma de arte? O entretenimento eletrônico pode ser considerado uma fonte de expressão artística e cultural, como a pintura, escultura, literatura e cinema? Jogos eletrônicos já constituem um expoente cultural contemporâneo? Muitas dessas perguntas habitam a mente de teóricos, jornalistas, líderes políticos e amantes da arte de forma geral; talvez, a maioria dessas e outras questões que dizem respeito apenas à acepção do termo arte estejam dirigindo as discussões para um nível intrinsecamente frívolo, uma vez que o significado do vocábulo supracitado é totalmente subjetivo, estando atrelado ao conhecimento de mundo de cada um.

De tempos em tempos surge um texto ou uma declaração defendendo a ideia de que videogames não constitui uma forma de arte. Jonathan Jones, jornalista de arte do The Guardian, publicou em novembro de 2012 um artigo condenando a ação do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) de expor em suas dependências jogos eletrônicos de diversas gerações, tais como Pong, Katamari Damacy, Tetris, Minecraft e Canabalt, para citar alguns. Em seu texto, Jones define o que ele entende como arte, muito embora sua retórica dotada de cinismo tente quase decretar, com força de lei, sua opinião, como se ela representasse uma espécie de conceito concebido por consciência coletiva. O autor defende que um trabalho de arte é uma “reação pessoal diante da vida, e qualquer definição que ignora essa resposta intimista do artista é inválida. Videogames, no caso, constituem apenas playgrounds digitais, nos quais a experiência é criada através da interação entre o jogador e a máquina.”

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A definição de Jones está intrinsecamente ligada com a existência de um autor, um artista, que concebera a obra como uma resposta a um impulso cultual. Desconsideremos o fato de que o significado de arte é algo completamente subjetivo e pensemos na própria definição concebida pelo autor. Neste caso, é possível pensar nos videogames como uma arte em duas dimensões, na qual, em um primeiro momento, há a expressão artística por parte de quem cria o jogo – na concepção de ideais e na materialização de impressões extremamente pessoais – e, posteriormente, ocorre não só a interpretação do jogador, como a resposta direta àquela criação, em um movimento ainda mais intimista que os normalmente vistos nas mídias tradicionais – daí vem a diferenciação de narrativa embutida e emergente. É interessante atentar para o fato de que não foi preciso sequer buscar outra definição para arte. O conceito é tão subjetivo e naturalmente abrangente, que tentar restringir seu significado induz à criação automática de um paradoxo lógico.

Embora possamos, com a mesma definição usada por Jonathan Jones, classificar videogames como uma forma de arte, é importante salientar que esse conceito é extremamente pessoal, não podendo constituir aspecto absoluto. Robert Belton, doutor em História da Arte na UBC (University of British Columbia), afirma que a etimologia do vocábulo arte está relacionado com artificial, ou seja, algo que fora criado pelo ser humano; entrementes, tal característica é por demais vaga e subjetivamente imprecisa, não podendo constituir uma definição propriamente. Belton aponta uma lista de aspectos que caracterizam a expressão artística, dentre os quais, podemos citar “o produto de uma intenção consciente”, “a exibição de uma habilidade”, “um desejo de transmitir significados”, “criação de ilusões”, “terapia”, entre muitos outros. Todos aplicáveis perfeitamente a jogos eletrônicos.

O exercício de classificar qualquer coisa pode ser definido simplesmente como a transmutação de uma análise puramente qualitativa para algo exato, e, que seja dito, constitui um processo imperfeito por natureza, estando delegado ao falível julgo humano. Quem tenta definir assertivamente a questão recai à sua própria concepção do que é arte, o que, curiosamente, já é uma interpretação por si só. Aparentemente, a contemplação artística já se inicia no que cada um entende como arte e, assim como a compreensão de uma ilustração de Alfons Mucha é excepcionalmente particular, a disposição do que é ou não é material artístico também o é.

Parece claro que toda a tentativa de argumentar no sentido de restringir um material do “status” de arte recai em uma defesa hipócrita e parcial, revelando um preconceito oculto com o que se tenta condenar. Uma vez que a arte é intrinsecamente livre, qualquer interpretação do que constitui uma expressão artística será, naturalmente, abrangente. Uma discussão nesse sentido será sempre, portanto, infrutífera e inconclusiva.

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