Desvendando ‘A loja de lámen’: uma conversa com Lucas Grosso sobre identidade, crises e o mundo pós-pandêmico

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Em “A loja de lámen”, Lucas Grosso nos guia por uma viagem poética que transcende as complexidades do século XXI. Publicada pela editora Penalux, a obra mergulha nas angústias e planos frustrados dos millennials, explorando a precarização do trabalho e as nuances das relações amorosas. Gabriele Rosa, poeta e dramaturga, destaca a habilidade de Grosso em transformar o cotidiano, marcado pela pandemia, em uma experiência coletiva e reflexiva.

Nascido em São Paulo em 1990, Lucas Grosso é uma figura multifacetada, formado em Letras pela PUC-SP e com Mestrado em Literatura. Além de poeta, ele é autor de obras como “Nada” e “Hinário Ateu”, revelando uma abordagem poética profunda da existência individual e coletiva. Em uma entrevista exclusiva, Grosso compartilha os motivos que o levaram a escrever “A loja de lámen”, revelando um processo de continuidade de suas obras anteriores, com uma exploração corajosa de temas como identidade, crise econômica e o impacto da pandemia.

A poesia de Lucas Grosso se destaca como uma análise provocativa da contemporaneidade, confrontando valores tradicionais e oferecendo uma visão autêntica de sua própria experiência. Com planos futuros que incluem uma coletânea de poesias e a exploração das rupturas com tradições sociais e culturais, Grosso emerge como uma voz relevante e ousada no cenário literário, compartilhando uma expressão única do século 21.

Leia a entrevista do autor.

Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?

Identidade cultural, identidade social, crise econômica, mundo pós-pandêmico, crise do século 21. A ideia que quero começar a defender: minha obra é uma tentativa de criar uma Comédia Humana do século 21. 

Esses assuntos atravessam minha vida, e são coisas que eu vivencio, ainda hoje: emprego desgastante e mal remunerado, formato familiar diferente (divórcio com filha), relações afetivas flexíveis, busca por ideologias e ideais novos, falta de sentido nas tarefas diárias, busca por coisas que tragam satisfação pessoal.

Desde quando você escreve?

Escrevo desde antes de saber escrever, quando eu narrava histórias e contos de fadas para minha mãe. Depois, na pré-adolescência e início da adolescência, comecei a fazer contos mais inspirados em Harry Potter, e poesias “góticas” dessas que rimam amor/dor, e continuei a escrever, e aprimorar meus temas, conforme fui crescendo, estudando e coisa e tal.

Cresci numa casa cheia de livros, mas eu levei a coisa um pouco mais adiante, e na minha casa tem muito mais livros do que qualquer outra coisa.

Meus pais são o que se poderia chamar de Sociais Democratas, nunca votaram na Direita, mas sempre foram religiosos (católicos). Meus avós são mais do que eles. Então, parte da minha influência literária vem, também, daí. Minhas primeiras referências literárias, depois de contos de fadas e desenhos da Disney foram o Luís Fernando Veríssimo, e o primeiro livro “adulto” que eu li foram as Comédias da vida privada, aquela edição tradicional da L&PM com a capa do Caulos.

Quais são suas influências literárias diretas?

Muitos livros contribuíram diretamente para a essência de ‘A loja de lámen’. Destaco obras como “Ruína y Leveza” de Julia Dantas e “Gravando” de Aline Rocha, que tiveram um impacto profundo em minha visão literária. Bernadette Mayer, com “As Helenas de Tróia, Ny”, e Marc Augé, com “Não-lugares”, também influenciaram meu olhar sobre a vida cotidiana.

Outras fontes de inspiração foram “Um teste de resistores” de Marília Garcia, “Por qual árvore eu espero” de Eileen Myles e os insights sobre psicologia em livros como “Ame e dê vexame” e “Acorda zé-ninguém” de Roberto Freire. Livros sobre marketing, como o de Fernando Namora, também desempenharam um papel interessante no meu processo criativo.

Além disso, a poesia impactante de Ana Cristina Cesar em “A teus pés” e a musicalidade presente nos discos de Belchior e Caetano Veloso foram elementos fundamentais. Essas influências, aliadas às experiências nas oficinas de escrita criativa com Gabriele Rosa, moldaram a complexidade e a diversidade de temas em ‘A loja de lámen’.

O que motivou a escrita de A Loja de Lamen?

Esse livro foi uma continuidade dos livros anteriores.

Aqui, acontece um esvaziamento de ideologias, padrões de vida, crenças pessoais, nacionalismo e demais formadores de identidade tradicional. A sociedade tradicional nos traiu ou não nos aceita como somos. Isso causa aflição, angústia, indecisão, e os choque geracionais são pesados.

Valores tradicionais, como casamento, família nuclear, realização profissional e vida política são questionados, e criticados, a partir de referências culturais e vivências incluindo a pandemia, mas o que sobra ainda é um grande vazio.

As questões que a o pandemia trouxe foram mudanças na forma como encaramos o mundo, e a reconstrução da identidade pessoal dos millennials que passaram por ela ainda está em processo – morte, precarização do trabalho, isolamento, aproximação (nem sempre pacífica) com a família, além de questionamentos sobre como será o futuro.

O que vem por aí?

Tenho uma narrativa em poemas que é o percurso sentimental do eu-lírico, da infância ao pós-divorcio, com tudo mais que há nesse ínterim, a partir de verbetes-disparadores.

Tenho uma coletânea de poesias a sair pela Urutau, que é o momento seguinte do meu percurso pessoal – a reafirmação da própria identidade, a partir da recuperação da infância.

Estou começando o livro seguinte, ainda sem muito corpo de texto concreto, mas que falará, basicamente, sobre o que significou romper com a tradição social e cultural anterior, reorganizando parâmetros e paradigmas, ressignificando valores e instituições.

Tenho também um projeto de um livro metalinguístico satírico de poesia sobre escritores e quero começar a sistematizar minha escrita infantil, a partir de ideias e desenhos da minha filha (ela tem quase sete anos).

Tenho muitos planos para prosas. Mas esses ainda estão um pouco distantes.

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