O romance A Esposa Bórgia, de Jeanne Kalogridis, conta a história da famosa e conturbada família Bórgia, narrada na perspectiva da heroína, a princesa de Nápoles Sancha de Aragão. Casada com Jofre, um dos filhos de Rodrigo Bórgia, o papa Alexandre VI, Sancha se vê presa numa rede de segredos e planos da família do papa, sendo obrigada a controlar suas emoções e manter segredos para proteger não só a sua vida, mas também o reino de sua família e, principalmente, a pessoa que mais ama, seu irmão Afonso. Incesto, estupro e assassinato são cometidos impiedosamente por César e Juan, filhos do papa, e pelo próprio Alexandre VI, e no meio disso tudo está Lucrecia, filha do pontífice, que se vê dependente do pai e dos irmãos perante ameaças, e abdica de seus sentimentos para agradá-los, acreditando evitar maiores males. Sancha assiste a tudo isso de olhos bem abertos e boca fechada, procurando manter Lucrecia, sua amiga, o mais feliz possível, e ao mesmo tempo buscando meios para se livrar de tal tormento.
O livro é cheio de relatos das batalhas da época e de como era a vida na corte. Jeanne foi feliz em apresentar a cronologia da obra, colocando no final do livro tudo o que, de fato, ocorreu nos anos em que Sancha esteve viva. As batalhas, os comportamentos das personagens, os nascimentos e mortes, tudo se encaixa com a narrativa de Kalogridis. Além do apelo histórico, a vida sexual da personagem também é bastante explorada, sendo que uma das maiores polêmicas tratada na obra é a questão de incesto praticado pela família de seu marido.
O livro apresenta trechos intensos. Destaco um relato forte no livro, horrível de ser lido, que me deixou de boca aberta e espantada. A qualidade da narração é ótima, Jeanne Kalogridis apresenta todos os detalhes, razão pela qual a cena se mostrou asquerosa. Se trata de um dos cardeais, amigos de Jofre, que ao visitá-lo logo após seu casamento, abusa de um menino de 9 anos que trabalhava no castelo de Sancha. É horrível o desespero da criança e a frieza do cardeal.
Assim Sancha se mostra durante a trama. Sempre justa e protegendo as pessoas que ama, determinada à não deixar se abater pelas atrocidades da corte romana. Porém, sempre há o momento em que o livro não agrada. Nas cenas românticas de sexo, Jeanne utiliza metáforas e eufemismos, o que faz a história ter aquele aspecto de livro para tias solteironas (Sabrina e suas variações). Decerto a autora procurou ser fiel à linguagem poética da época, pois tudo é narrado em primeira pessoa, mas, para mim, esse tipo de narração beira mais o cômico e ridículo do que ao romântico e sensual. Tenho que admitir que as passagens de violência e abuso me agradaram mais, sendo que eram friamente narradas, com palavras e termos diretos, mais comuns na nossa linguagem.
Apesar do forte senso de justiça, Sancha nem sempre nos é apresentada como uma pessoa certa e respeitosa. Cedendo à atração por César, a princesa trai seu marido. Contudo, se esforça para manter a honra de Jofre e não magoá-lo, mesmo que ele não faça o mesmo por ela. Felizmente, ao descobrir a real natureza do cunhado, ela se afasta totalmente dele, sendo, então, fiel ao marido. Ainda sobre a relação de Sancha com os Bórgia, a protagonista nutre uma grande amizade por Lucrecia. Jeanne retrata muito bem essa amizade, e gera aquele ar de dúvida sobre a sinceridade da filha do papa, sendo que Lucrecia sempre se mostrava fraca perante as decisões do pai e do irmão. Isso é claramente mostrado quando ela deixa César matar seu marido Afonso, irmão de Sancha, para proteger o filho que acabara de ter, colocando-o acima da vida de Afonso e do sofrimento causado à Sancha.
A Esposa Bórgia não é uma daquelas revelações literárias que transformam o modo de escrever e ver a História, longe disso. Mas foi um livro bem feito, envolvente em cada página. Eu ansiava para chegar ao seu final não apenas pela curiosidade de como tudo terminaria (até porque quem conhece a história dos Bórgia já sabe o que acontece), mas para ver todos os sofrimentos de Sancha se acabarem. Quando Sancha é humilhada e segura o choro, a vontade é de chorar por ela. Isso mostra que há certa identificação das mulheres atuais com a heroína, que muitas vezes são tratadas apenas como objeto sem ter direito a fazer escolhas. Kalogridis toca nessa “ferida” que ainda existe, e o livro se mostra não apenas como um conto adaptado de um fato real, mas também um protesto. Mesmo depois de séculos, a mulher ainda é tratada com inferioridade em momentos de sua vida.
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