Amor, perversão e devoção em dois clássicos de Tanizaki

Após revelados pela Academia Sueca os indicados ao Prêmio Nobel de Literatura ao longo da década de 1960, sabemos que Jun’ichiro Tanizaki esteve muito perto de ser o primeiro premiado japonês. Não é difícil entender suas repetidas indicações: Tanizaki abriu uma janela para a alma humana como quase nenhum outro autor moderno, explorando paixões e perversões com sensibilidade e ironia. A Ponte Flutuante dos Sonhos e Retrato de Shunkin, nunca antes publicados no Brasil, estão entre os melhores exemplos de sua prosa.

Amor, perversão e devoção em dois clássicos de Tanizaki – Ambrosia

A Ponte Flutuante dos Sonhos, publicada em 1959, tem seu título emprestado de um capítulo de Genji Monogatari, escrito no século XI pela cortesã Murasaki Shikibu e considerado o primeiro romance japonês. Tanizaki, que conhecia muito bem os textos clássicos (alguns dos quais traduziu para o japonês moderno) revisita na narrativa alguns temas de Genji Monogatari, como a relação ambígua de um jovem com a esposa do pai e a simbologia clássica dos elementos da natureza, inspirada pela tradição budista.

O narrador Tadasu compartilha com o leitor a história de sua infância e de suas duas mães, que se misturam em sua memória. A confusão psicológica e a vergonha do narrador se contrapõem à limpidez do estilo de Tanizaki. O autor explora as nuances daquilo que não é dito e nos joga no centro do peculiar arranjo familiar estabelecido pelo pai de Tadasu, que tenta recriar, na segunda esposa, a mãe que o filho perdeu.

A segunda obra, Retrato de Shunkin, de 1933, apresenta uma das mais marcantes personagens de Tanizaki: Shunkin, prodígio musical, cega, cujo talento e beleza despertam todos os tipos de paixões. A relação entre Shunkin e Sasuke, seu ajudante e amante, é a matéria da história. A convivência de mestra e discípulo, seu desenvolvimento artístico, o temperamento cruel de Shunkin, a fervorosa servidão voluntária de Sasuke, as tragédias que marcam suas vidas, tudo é apresentado deixando entrever uma “história secreta”, desconhecida até do próprio narrador. A narrativa gerou entusiasmo da crítica e de autores como Yasunari Kawabata, que a chamou de “obra-prima”.

A forma como Tanizaki trata a memória, a paixão e a devoção é o que conecta os dois contos, demonstrando sua maestria narrativa e aproximando-o, tematicamente, de Bataille e Sade em suas especulações sobre o potencial destrutivo do amor e da sexualidade.

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