Literatura

Ao cair da noite – Stephen King

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Não sei ao certo, mas conheço poucas pessoas que não são fãs de Stephen King. Com mais de sessenta livros já publicados, diversas adaptações para o cinema e para a televisão, premiado outro tanto de vezes, King é agraciado como um dos grandes nomes da literatura de terror/horror fantástico de todos os tempos. Um dos únicos escritores que inúmeras vezes me apavorou com livros como O Iluminado, A Hora do Vampiro, A Coisa e Cemitério Maldito, para exemplificar alguns. E não só de sustos e mistérios o autor escreveu, narrativas encantadoras como Um Sonho de Liberdade ou A Espera de Um Milagre demonstram sua exímia técnica de abordar temas dos mais diversos. Controverso, o cara até cogitou uma aposentadoria em 2002, após um acidente que o debilitou muito, entretanto o “infernal elaborador” não parou.

A vontade de escrever foi mais forte e em 2005 retorna às letras com algumas narrativas bem interessantes como Celular, onde agrega o horror zumbi com o pânico tecnológico ou Duma Key, uma aterrorizante história de um homem e sua proximidade com um mal antigo. Entre seus últimos trabalhos temos 11/22/63, uma narrativa de um professor que tenta desesperadamente evitar a morte de JFK e Under the Dome, sobre um estranho fenômeno que isola uma cidade. Esse último será adaptado para uma série televisiva com produção de Steven Spielberg e falando em adaptações há uma leva de filmes que estão em produção, que com certeza aumentará ainda mais o número de fãs do autor. Aqui no Brasil, sua obra mais recente foi Just after sunset (2008), lançado pelo selo Suma de Letras (Objetiva) com o título de Ao cair da noite, uma coletânea de contos, a qual analisarei nestas linhas.

King retorna aos contos, uma forma narrativa que deixara de escrever devido ao desenvolvimento de personagens definidos para histórias mais longas. Interessante é que na introdução o autor diz que se sentia desolado por não escrever mais contos, como um ferreiro envelhecido, olhando para uma espada e refletindo: eu costumava saber fazer esse tipo de coisas. Mas ao assumir a edição da série Best American Short Stories 2007, lendo centenas de contos, recuperou seu entusiasmo e nos brinda com 13 contos no seu melhor estilo.

Treze, um número bem adequado para essa coletânea, que reúne histórias escritas ao longo de sua carreira, mas que receberam um novo olhar. Todas com uma única característica: o terror surpreendente, misterioso e psicológico. Outro aspecto é a seção nas páginas finais onde o mestre explica o processo de construção de cada uma das narrativas, um modo bastante intrigante, para não dizer bizarro, de como surgiu a motivação para escrevê-las. Apresento abaixo um breve resumo crítico de todos os contos:

Willa (2006) é o nome do conto que abre o livro, a história é sobre um grupo de pessoas, envolvidas em um acidente de trem que esperam outro para seguirem viagem. Um olhar breve no mesmo tom de O sexto sentido (The Sixth Sense de Manoj N. Shyamalan), King cria um roteiro sobre a vida após a morte, confusa no começo, mas o desenrolar irá satisfazer pela abordagem da pós-vida.

O segundo conto, A corredora (The Gingerbread Girl, 2007), um dos melhores traz a história de uma mulher atormentada que passa a correr compulsivamente para evitar seus problemas e seu marido. Contudo, acaba encontrando um problema que espero nunca encontrar. O melhor deste conto é a caracterização das personagens, tanto a protagonista e o antagonista seguem o ritmo alucinado do conto. Não podemos esquecer a mania de King em criar detalhes cruciais para suas narrativas, e essa tem um bocado de elementos que se não lermos novamente passam batidos.

O sonho de Harvey (Harvey’s Dream, 2003), o mais curto, pouco mais de dez páginas. Não irei deter muito no resumo, pois com o número de páginas poderia contar a história toda. Mas é bem perturbadora, King descreve a infelicidade conjugal comum a tantos casais. Com um diferencial, a monotonia aqui descamba para momentos de ódio disfarçado que lentamente evolui para um infeliz desfecho. Posto de parada (Rest Stop, 2003), onde o autor brinca com a mania dos pseudônimos dos escritores e a fama criada a partir dele. Não é a das melhores, mas a sensação de múltiplas personalidades evocada é bem interessante. A bicicleta ergométrica (Stationary Bike, 2003), narrativa bem cômica, onde um homem preocupado com seu peso decide comprar uma daquelas bicicletas de academia e acaba tendo uma insólita experiência. King nesse conto trata da sua relação de amor e ódio pelos exercícios físicos, criticando a fantasia criada por muitas pessoas em torno das atividades físicas. As coisas que eles deixaram para trás (The Things They Left Behind, 2005), explora as conseqüências do onze de setembro. Os pertences dos mortos nos ataques terroristas começam a perseguir um sobrevivente atormentado pela culpa. Uma história  que poderia ter sido piegas, mas é bem controlada por descrever o relacionamento da culpa por sobreviver e a cicatriz causada pelo ocorrido no cidadão comum norte-americano.

Tarde de formatura (Graduation Afternoon, 2007), como o próprio título do conto já diz apresenta uma festa de conclusão de curso de uma jovem. Os aspectos da infelicidade são retratados numa seqüência de fatos que levam a uma hecatombe em Manhattan. N. (2008), o mais interessante da coletânea, narra como o transtorno obsessivo-compulsivo de um indivíduo em contar um círculo de pedras – são sete ou oito? – é a única coisa que mantém a humanidade protegida do desconhecido. Uma história lovecraftiana ou como King afirma nos créditos do conto, uma homenagem a Arthur Machen e seu O grande deus Pã. Sua interpretação do tênue véu de sanidade e um mal incompreensível é a sentença da melhor narrativa do livro. O gato dos infernos (The cat from hell, 1977), com certeza o mais violento dos treze contos de Ao cair da noite. Um assassino de aluguel é contratado por um milionário a matar um alvo nada convencional: um gato. O enredo deste conto consegue equilibrar o grotesco e o ridículo para narrar uma história de vingança incomum. O melhor da década de 1970, época dos grandes clássicos de King com um reboot dos anos 2000.

Os três seguintes The New York Times a preços promocionais imperdíveis (The New York Times at Special Bargain Rates, 2008) mostra o lado romântico de King e seu perfeccionismo em relatar um dramalhão em poucas páginas; Mudo (Mute, 2007) narra um ressentido vendedor de livros ambulante dá carona para um mudo, sem saber que o homem silencioso no banco de carona escuta bem até demais; e Ayana (2007), levanta a questão do milagre na história de um homem e a batalha de seu pai contra um câncer, culminando na intervenção milagrosa de uma menina de sete anos, cega chamada Ayana.

O último conto, No maior aperto (A very tight place, 2008), temos uma das histórias mais repugnantes de todos os tempos, e mais uma vingança. Mesmo não sendo tão organizada, a trama envolve sensações incomuns e humor negro, uma provocação “nojenta” do autor aos leitores que trilharão essas últimas páginas.

De ritmo rápido, Ao cair da noite é um livro para ser devorado, mesmo com esse ultimo conto. Os temas principais – morte, vingança, desastres e premonição – estão transcritos de forma especial, King repassa seus sonhos e pesadelos a cada um deles. Revela sua maturidade, menos dependente do horror e incidindo na delicadeza do cotidiano de pessoas comuns em situações inacreditáveis. Consegue assim, capturar detalhes mundanos da vida comum e tecê-las com um tecido do medo em cenários que se tornam perturbadores. Recomendo e não fique em dúvida, é o retorno do melhor de Stephen King e aguarde mais novidade.

[xrr rating=4,5/5]

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Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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