Carla Guerson elabora em livro a complexidade das relações familiares e o fim da infância

“Todo mundo tem mãe, Catarina” será lançado em São Paulo, na Ria Livraria

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“Com cenas intensas, repletas de um erotismo aflorado, ao melhor estilo Hilda Hilst, Carla Guerson nos oferece um daqueles livros em que a heroína, achando que não tem nada a perder, acaba descobrindo que pode perder tudo. Nesse jogo de perdas, o leitor pode apostar alto: ele sempre pode ser o primeiro a ganhar.”
Trecho da quarta capa, assinada pela escritora Débora Ferraz

“Todo mundo tem mãe, Catarina”, novo livro da autora capixaba Carla Guerson, aborda o processo de amadurecimento de uma personagem marcada pela solidão infantil de quem cresceu sem ter mãe e pai. Publicado pela editora Reformatório (184 pág.), o romance conta com a orelha assinada pela escritora Marcela Dantés e quarta capa de autoria da escritora Débora Ferraz. 

O evento de lançamento acontece em São Paulo no dia 25 de maio, um sábado, às 18h, na Ria Livraria (Rua Marinho Falcão, 58, próximo à estação de metrô Vila Madalena) e contará com uma conversa da autora com a youtuber e doutora em linguística Jana Viscardi, além da participação pontual das escritoras Marcela Alves, Thaís Campolina, Marina Grandolpho, Martha Colvara Bachilli e Isabella de Andrade.

Sem medo de temas espinhosos, Carla Guerson escreve a história de Catarina

Sob a perspectiva de uma menina de catorze anos criada pela avó, sexualidade, prostituição, religião e morte se mesclam a uma história familiar complexa e cheia de segredos que a personagem precisa desvendar para crescer. Esse silêncio que a protagonista se vê obrigada a confrontar esconde um passado formado por mulheres afetadas pelo machismo e pela hipocrisia. É na busca por sua origem que Catarina começa a traçar um caminho só seu. “Catarina precisa descobrir a sua história para poder contá-la”, resume Marcela Dantés.

A narrativa se desenvolve pelo decorrer de um ano, na transição dos 14 para os 15 anos, uma fase que Carla considera muito marcante para as mulheres. “Completar 15 anos faz parte do nosso imaginário coletivo do ‘tornar-se mulher’. E Catarina tem uma especial demanda quanto a esta idade, já que foi a idade em que sua mãe engravidou dela. É também uma fase em que se experimenta com muita intensidade as questões ligadas à sexualidade, que são abordadas no livro a partir do relacionamento de Catarina com Gustavo e com sua amiga Teresa”, explica a autora.

Na história, Catarina mora com a avó, que é servente em um condomínio de classe média no interior do Espírito Santo. Enquanto Catarina se aproxima de uma comunidade de prostitutas, onde desenvolve amizade com a sobrinha de uma delas, a avó Amélia se aproxima de uma comunidade evangélica, tornando quase que díspares os caminhos percorridos. “Embora pareça que estão em lados opostos, entendo que as duas buscam a mesma coisa: um senso de comunidade, de pertencimento. E o apoio de outras mulheres”, aponta Carla.  

Ágil e envolvente, o fim da infância de Catarina se apresenta para o leitor em uma narração irresistível em primeira pessoa. “Escrevo simples. Tenho uma escrita que pretende ser fluida, direta, contar uma boa história, conversar com o leitor. E isso em todos gêneros, em todos os livros que publiquei até agora. Também gosto de criar imagens e de dizer algumas coisas sem dizer, deixar possibilidades de interpretação diversas nos gestos e intenções dos personagens”, comenta a autora que confia na capacidade de quem lê de criar junto com quem escreve. É nesse contexto que a aproximação com a história de outras mulheres acontece, conforme destaca Dantés, que considera o livro “fascinante”, uma obra que “toca fundo num lugar essencial, íntimo, mas também universal”. “Todo mundo tem mãe, e a história dessas mulheres que são tantas outras, que poderia ser eu, que talvez seja você, é bonita mesmo em sua imperfeição, na luta por se descobrir, na luta por continuar”, frisa.

A trajetória de Carla Guerson e a literatura feita por mulheres

Nascida e criada em Vitória, no Espírito Santo, em 1982, Carla Guerson se graduou em Direito pela UFES em 2005. A autora estreou na literatura em 2021, com seu primeiro livro, “O som do tapa” (Patuá), que teve uma ótima recepção entre os leitores por tratar temas complexos e personagens femininas fora do padrão. Também publicou “Fogo de Palha” (Pedregulho, 2022), livro de poemas premiado pelo edital de Cultura da Secult/ES, que traz temas espinhosos como autoaceitação, maternidade, solidão, relacionamentos familiares e morte.

Ao perceber que as dificuldades para se inserir no mercado editorial se repetiam na vida de outras mulheres, a autora idealizou o Coletivo Escreviventes, que hoje conta com 600 participantes espalhadas pelo Brasil. “Me considero uma entusiasta da literatura produzida por mulheres no Brasil”, diz a escritora, ao comentar sobre sua dedicação à leitura de autoras contemporâneas e à mediação de clubes de leitura com foco em obras produzidas por mulheres, como o Leia Mulheres Vitória e o Clube Casa das Poetas.  

Confira um trecho do livro:

“Cada um vai desenhar a sua mãe. A caixa de lápis no meio da roda. O papel em branco na minha frente. Eu levantei a mãozinha, como uma boa menina educada que sempre fui: Tia, eu não tenho mãe. Os olhos dos coleguinhas em mim. A professora nem pestanejou, continuou distribuindo os papéis: Todo mundo tem mãe, Catarina. 

Eu baixinho, quase muda: eu não tenho, tia. E aquilo entrando esquisito aqui, aquela falta toda de mãe aparecendo de uma vez: eu só tenho vó. Então desenha sua avó, foi a solução que ela arrumou. Desenha sua avó, Catarina, que vó é mãe duas vezes.

Eu não desenhei.”

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