Desvendando as nuances da cretinice cotidiana, o escritor e filósofo André Luiz Leite da Silva escreveu ‘O Manual do Cretino’. Obra sarcástica, baseada em mais de 20 anos como escrivão de polícia, em que ele convida os leitores a desnudar os comportamentos cretinos presentes tanto nos outros quanto em si mesmos. Publicado pelo Grupo Atlântico, o livro, composto por 106 artigos (como o código penal), mergulha em situações do dia a dia, condenando-as com sentenças aplicadas de acordo com diferentes significados da palavra ‘cretino’.
André Luiz, natural de Itararé, interior de São Paulo, utiliza sua experiência policial para trazer à tona a naturalização das ‘idiotices’ que passam despercebidas. Formado em Filosofia, o autor revela sua abordagem aberta e realista, influenciada por pensadores como Platão, Sócrates e Nietzsche. Escrevendo desde 2014, André Luiz mantém um ritmo impressionante, com ‘O Manual do Cretino’ sendo sua 24ª publicação entre os 43 livros que já escreveu. Seu próximo lançamento, ‘Pescador de Ilusão’, promete manter o tom provocativo e esclarecedor que marca sua trajetória literária.
Leia a entrevista com ele:
Você já ouviu mais de 30 mil pessoas como escrivão. Quais foram os maiores ensinamentos com a escuta diária em seu tempo de ofício?
Bem, após ouvir mais de trinta mil pessoas seguramente, percebe-se que há uma repetição de “nadas”. Acontece que todo dia acontecem coisas ruins, ou então incômodas e, estas coisas não vão embora. As agressões e discussões muitas vezes são em razão disso. A ganância humana é outro fator importante, pois os golpes estão intrinsecamente a isso. A falta de atenção em lugares conhecidos como perigosos é outro fator que leva aos roubos e furtos.
Escutar e escrever as histórias que você ouve como polícia mudaram a sua percepção sobre o mundo?
Dizer que mudei minha percepção do mundo talvez não seja uma forma correta, mas uma abertura da mente. Sempre achei que “não há milagres” e o único que existe é o trabalho e o estudo. Sou pacato e moderado por natureza e isso fez com que meu comportamento ajudasse no trabalho e ampliasse o que já tinha latente. Nasci num mundo muito preconceituoso, homofobico, misógino, mas isso não afetou meu comportamento, afinal, nasci pobre e meus amigos eram todos pretos, pobres, gays, meninas, enfim, quando se está na base, não há muito o que fazer, exceto brincar e se divertir com tudo e com todos.
Quais são as suas principais influências literárias? Algum livro em específico?
Gosto dos antigos filósofos, como Platão, Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho, Descartes e Nietzsche. Embora nenhum livro em específico tenha sido usado como inspiração neste caso e sim, o meu dia a dia como Escrivão de Polícia, ouvindo pessoas.
Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?
Esse livro não tem um tema central, pois nele se encontram várias situações cretinas e incômodas, que ocorrem no dia a dia e que não percebemos mais.
Meu objetivo é fazer uma análise sarcástica comportamental dessas pessoas.
O que, dentro das histórias ouvidas, vira ficção e o que é cortado? Quais são seus critérios?
Meus textos não são ficcionais, são reais, mas literários. A ideia é levar o leitor a uma leitura agradável, figuras de linguagem, de mitos antigos, histórias antigas, filosofia, religião, mas num discurso leve, de fácil compreensão, afinal a profissão ajudou muito, pois preciso escrever de forma técnica mais bastante inteligível. O que faço é não colocar nomes, exceto algum parente ou muito próximo, mas somente quando for de forma positiva. Certa vez um colega disse: “Não vai escrever isso que te contei, né?” Respondi: “Mas eu não coloco nomes”. E, ele:” Mas eu sei que sou eu”. E, eu: “Mas os outros, não!” Minha esposa também disse: “Cuidado com o que escreve. Tem muita gente lendo”. Respondi: “Que, bom, tenho um saco cheio de carapuças”.
Como é escrever para você?
Definiria como, na visão de um Policial Filósofo, uma forma de escrever mais aberta e real possível.
Meu processo de escrita é natural, leve e espontâneo, pois os textos fluem enquanto escrevo, não tem um briefing, as ideias apenas surgem. Não tenho uma preparação específica, chego do trabalho, descanso e me sento em frente ao computador, onde os textos surgem naturalmente. E como meta, procuro manter o hábito de escrever ao menos um texto por dia.
Como surgiu a ideia de escrever essas histórias?
Na verdade sempre fui de expor minha opinião, mas na forma oral há muita resistência e poucas pessoas estão abertas ao diálogo, gostam mesmo é de contrariar, mesmo estando completamente erradas. Assim, ouvindo pessoas e acreditando que cada um tem parte no conflito, resolvi escrever a respeito. Gosto de expor que pequenos problemas diários irão causar um problema maior no futuro, e, assim, gosto de escrever estas crônicas diárias, que é como as pessoas se comportam.
Quais dicas você dá para quem gostaria de começar a escrever?
Para começar a escrever tem que escrever tudo o que está na cabeça. Todos têm potencial. Basta praticar. Escreve o que aconteceu no dia, ou num evento, ou numa passagem qualquer, ou então de fatos passados. Basta escrever o que costuma falar. O que acontece é que as pessoas não praticam, não leem e gostam de ouvir. E, quem ouve muito, também esboça sua opinião, e, seja qual for, deveria escrever isso.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
A publicação traduzida para o inglês e espanhol do livro Manual do Cretino e planos para traduzi-lo também para o italiano, francês, alemão e chinês e o lançamento do meu próximo livro “Pescador de Ilusão”.
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