Bom teria sido
avisar a andorinha:
Tudo se fará sem ti
até mesmo o verão.
E a vertigem do teu voo
é o que é. Nada mais
Velas, marés, horizontes, sargaços, sextantes e sereias — essas imagens estão conosco desde que a poesia é poesia.
Épicas na origem, elas ressurgem neste Diário de Porto Pim em outro registro — lírico, rememorativo e reflexivo, mais que narrativo. Não por amor à citação, mas porque os poemas de Fernando Moreira Salles são habitados pela dúvida sobre o sentido e a mera possibilidade da ação.
Em mais um livro de poesias, o autor carioca traz o que Antonio Candido tratou em sua análise sobre a obra, são mensagens muito densas, apenas sugeridas, que se exprimem com o mínimo possível de palavras, abrindo para o leitor um universo cheio de flutuações de sentido, que vão pouco a pouco impregnando a sensibilidade e criando o desejo de releitura – marca da verdadeira poesia.
Da orelha do livro
Se as águas não tardam a apagar as pegadas na areia, se os sonhos se devoram (e “a noite; faz o resto”), se amar é ferir e se viver é profanar-se “na vertigem; de cada dia”; então esta deverá ser, em primeiro lugar, uma poesia da perda.
Perda constatada sem dó, mas com uma sobriedade que, quando já não parecia haver lugar para mais nada, abre espaço para, “no tempo ; que resta”, na justa medida do humano e do imanente, ainda sonhar com um lugar, Pasárgada ou Porto Pim, “onde sou / amigo de mim”, onde “um dia / quem sabe / meu destino / morre sem mim”.
Nessa clareira exígua, essa poesia do desencanto corre o risco feliz de se converter no seu contrário, numa poesia do reencontro consigo, com o mundo e, quem diria, com a ação. Tudo passa – e por isso mesmo é preciso dar um passo a mais. The song is in the step.
Samuel Titan Jr.