Luiz Ruffato e João Anzanello Carrascoza se parecem. Fisicamente, em suas semicalvíces, no tom da pele e na idade aparentemente aproximada. Parecem, além de compartilhar um ofício, também ser bons amigos. Do primeiro só li o famoso e necessário discurso feito na feira de Frankfurt no ano passado, do segundo mergulhei em 5 livros consecutivos no começo desse ano. Fui para a mesa pelo Carrascoza, o Ruffato era um bônus.
Puta bônus!
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“De onde vêm as história”, tema da mesa, é uma pergunta muito fácil para quem leu algum dos dois romances do João Carrascoza, ou algum de seus vários livros de contos. As histórias vêm da infância, da memória e, principalmente, da moldura temporal e afetiva que o convívio familiar fornece. Carrascoza, cujo mais recente romance é uma longa carta de um pai à sua filha temporã, é um escritor de pequenas miudezas e delicadezas, que parece estar obsessivamente tentando dar sentido àqueles sentimentos invisíveis do café da manhã ou, como ele mesmo disse, “olhar as coisas que parecem pequenas, mas que fazem a grandeza da vida”. Se ficar mais simples perceber por um contraste, a literatura do Carrascoza está, na minha opinião, no lado oposto à do Ruben Fonseca. O que Fonseca enxerga com acidez, descrença e cinismo é visto pelo Carrascoza com mansidão, cuidado e até uma certa complacência diante da instituição familiar tradicional, ambiente do qual ele quase nunca sai. Não é um escritor “da rua”.
O escritor era filho de um comerciante em uma pequena cidade do interior paulista. Seu pai era dado a contar histórias e essas foram uma iniciação à narrativa, a voz falada antes da escrita.
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Luiz Ruffato começa sua narrativa pela fome: avôs imigrantes e o pai, “segundo pipoqueiro mais importante da cidade”.
Foi assistente de pipoqueiro, pipoqueiro, operário, jornalista até decidir-se pela escrita em tempo integral nos anos 2000. Fala em meio a um pensamento materialista que enxerga o ofício de pipoqueiro como paralelo ao de escritor, pra quem a inspiração vem das “contas a pagar no final do mês”, o escritor sendo capaz de propagar mais, levando a literatura como causa, eco de uma causa operária maior, da qual parece nunca ter de todo se desfiliado. Não li seus livros, não sei até onde essa visão está lá, mas é com esse autor que estarei conversando assim que começar, porque ele definitivamente me ganhou. A política é tema recorrente na sua fala.
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Carrascoza e Ruffato se parecem, mas parece que suas letras operam em escalas opostas. O primeiro colocando pessoas cara a cara, num ambiente conhecido e num momento limite (a perda de um parente, uma separação, um rito de passagem), o segundo se esforçando a dar visibilidade a setores sociais não enxergados pela literatura brasileira, contaminada pela classe média com personagens “que ninguém sabe como pagam as contas” e pelos marginais.
Segundo ele, não existe o operário na nossa literatura e é essa camada que tenta dar a ver, por mais que isso soe utópico.
“Quando a gente exclui a utopia a gente tá se matando”, termina.
E eu espero que ele já tenha escrito muito.
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