Literatura

Guerra Sem Fim, de Joe Haldeman

Compartilhe
Compartilhe

guerra sem fimMil novescentos e noventa e sete. Nossa tecnologia é mais avançada do que temos registro. Portais colapsares possibilitam que humanos cruzem milhares de anos-luz em um piscar de olhos, sofrendo dilatações no tempo. Estamos prestes a travar a primeira batalha contra os taurianos. Entre os escolhidos para integrar a primeira tropa está William Mandella. Formado em física, ele  preferia não ir ao espaço aprender táticas de combate. Preferia não segurar armas. Preferia não matar. Tinha certeza de que a guerra não tinha sentido.

Esse é o enredo de Guerra Sem Fim, de Joe Haldeman. Professor de Escrita Criativa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Haldeman é veterano do Vietnã, e qualquer semelhança entre ela e Guerra Sem Fim não é mera coincidência. Publicado em 1974, o livro é uma crítica ao conflito e aos métodos que o governo americano usou para enfrentá-lo, que expõe a loucura e crueldade pela qual o autor passou. O clássico da literatura de ficção científica está sendo adaptado para os cinemas por Ridley Scott e foi publicado aqui no no mês passado pela Editora Landscape.

O mundo de 1997 que o autor apresenta não é só evoluído tecnologicamente. Homens e mulheres estão em pé de igualdade, tanto que metade da primeira tropa é composta por soldados do sexo feminino. Com uma narração convincente, Haldeman nos familiariza com a tecnologia utilizando termos técnicos que ilustram todos os movimentos e objetos criados pelo autor. Com ironia e bom humor, Mandella relata sua trajetória pela luta contra os taurianos.

Guerra Sem Fim mostra apresenta o treinamento de um soldado para uma guerra sem sentido, onde nem o inimigo é conhecido. Mandella e seus colegas são “motivados” a matar, e por mais que essa motivação seja totalmente diferente da realidade que eles conhecem, não há outra saída senão reagir a ela do modo que é esperado. Mandella é obrigado a ver seus conhecidos morrerem um por um, enquanto assassina alienígenas que de início nem apresentam resistência.

Além de todo o trauma da primeira batalha, a personagem se vê completamente perdida ao voltar à Terra depois de dois anos de serviço, transformados em mais de 30 pelas viagens feitas através dos colapsares. O custo alto com armamentos e fenômenos climáticos transformou o planeta em um lugar com recursos naturais escassos, onde a comida é fortemente controlada pelo governo. A população terrestre não é mais de 2 bilhões de pessoas, mas exorbitantes 9 bilhões. Os antigos costumes desapareceram e a violência toma conta da sociedade.

E aqui há uma questão que gera controvérsia. O governo retratado incentiva o homossexualismo para desacelerar o crescimento da população, chegando até ao ponto de considerar o heterossexualismo um crime. Para os homofóbicos, isso pode ser mais um pretexto para continuar hostilizando os homossexuais. Para os simpatizantes, é uma forma de mostrar aos heteros como eles se sentem com tanta descriminação. Pois aqui os gays se tornam a grande maioria. Com mudanças tão difíceis de assimilar, a guerra se transforma no lar dos soldados, que invariavelmente voltam para ela.

Haldeman revela em Guerra Sem Fim a estupidez humana, principalmente a de seus governantes. As pessoas não veem saída para os conflitos, e lutar é a única coisa que lhes resta, sem se importar se vão deixar o campo de batalha vivos ou não. A guerra contra os taurianos termina depois de mais de mil anos com um mal entendido desfeito, e Mandella chega vivo ao seu final. Ele pode parecer melodramático, romântico demais. Porém, por mais que tudo dê certo, sabemos que a ferida aberta pela violência da guerra nunca será curada. E é assim com todos os que passam por essa situação, tanto na ficção quanto na realidade. Guerra Sem Fim é um livro que merece ser aplaudido de pé.

Compartilhe

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos

Questões sobre as maldades em “Os Campeões da Evolução”

A compreensão da maldade é complexa e envolve uma interação entre impulsos...

Ricardo Aleixo lança seu novo livro: Tornei de Luanda um kota

Tornei de Luanda um kota fecha um ciclo iniciado, em 2015, com o...

Trechos do livro “Nosso Amigo Gaivota” de Rebecca Navarro Frassetto

Rebecca Navarro Frassetto é escritora e poeta, formada em Letras, e atualmente...

Três trechos do livro “Diário de Amélia” de Camila Veloso

Camila Veloso é escritora e empreendedora paulista, fundadora da Aldeia Literária, onde...

Helena Black desembarca na Bienal do Livro para contar histórias africanas e fábulas de Esopo

Helena Black, a primeira drag queen contadora de histórias do Brasil, está...

Reconhecimento: Os Campeões de Evolução

Refletimos sobre a existência e o significado das coisas. A vida realmente...

“A duração entre um fósforo e outro” e a trajetória da cearense Zulmira Correia como poeta

Terceiro livro da autora, vencedor da premiação na categoria poesia, será lançado...