Haroun e o Mar de Histórias, de Salman Rushdie

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Se há na literatura tantas boas histórias que figuram no meio fantástico, por que não contar uma que fale justamente de onde vem essas histórias? Qual a origem da inspiração para que autores e trovadores inventem casos tão interessantes para ler e ouvir? Pode-se tratar apenas de uma imaginação aguçada, ou talvez de uma segunda lua que gira em velocidade descomunal em volta da Terra, abastecendo-a com a água do Mar de Histórias, de onde vem todos os contos do mundo.

É o que vemos em Haroun e o Mar de Histórias, do indiano/britânico Salman Rushdie. O livro infantojuvenil do autor de Os Versos Satânicos é uma viagem por um mundo fantástico habitado por todos os “causos” já contados, além de seres estranhos que vivem nesse mar. A edição de bolso da Companhia das Letras publicada esse ano traz a história criada lá nos anos 1990, uma espécie de homenagem de Rushdie ao filho mais velho. Um conto sobre o amor do filho ao pai, e de como a fantasia torna a vida um pouco mais tolerável.

Haroun é um garoto que vê seu pai, Rashid, um contador de histórias, perder o dom da prosa. Morador de uma cidade triste e recém abandonado pela mãe, ele se sente culpado por ferir o coração de Rashid ao insinuar que suas histórias não servem para nada. Querendo se redimir e fazer seu pai voltar a encantar as pessoas com seus contos, Haroun descobre a origem dessas histórias, vindas de um oceano localizado em uma lua que orbita em torno da Terra, mas que não pode ser vista.

É um livro cujas fantasias, nas palavras de Rushdie, parecem ser totalmente coerentes. As histórias são finas linhas coloridas que se unem e formam novas tramas, que chegam até a terra por uma via invisível de canos. Haroun viaja até o mundo de onde elas vem, e acaba não só tendo que devolver a “inspiração” ao seu pai, mas também com o dever de revitalizar o Mar de Histórias, vítima de uma grande poluição. Uma mistura da ingenuidade e esperteza infantil com seres incríveis e loucos, que transforma o ato de ler em pura diversão.

Salman Rushdie é mestre na narração. Consegue ser simples e rebuscado ao mesmo tempo. Não confunde a cabeça do leitor, mas também não o subestima com uma narrativa pobre. Haroun e o Mar de Histórias é repleto de sarcasmo e lições de moral, onde o garoto luta para entender toda a informação que lhe é dada. Rushdie passa ao leitor uma identidade forte de cada personagem, repetindo suas funções e títulos sem ser maçante. Cada nome ou ato vem seguido de seu significado: Rashid, o Xá do Blablablá; Mudra, o Guerreiro das Sombras; e o tão dito “não tem problema!”, dos queridos MasMas. É uma forma de aproximar leitor e personagem, e manter as principais características de cada um na sua memória.

O livro mostra que mesmo as histórias sendo pura invensão, são necessárias para animar o espírito e incentivar as pessoas. Ou que então, até as histórias mais absurdas podem ser verdade, pois é isso o que Haroun acaba vivenciando. As figuras que encontra no mundo do Mar de Histórias se confundem com aquelas que viu em seu país. É como acontece com crianças de verdade: pessoas normais se tornando personagens fantásticos para ilustrar suas brincadeiras e se divertir. Rushdie da um lugar de importância para o contador de histórias, aquele responsável por plantar nas pequenas e grandes cabeças idéias que viram sonhos.

Haroun e o Mar de Histórias se mostrou um livro delicioso de ler e totalmente verdadeiro na sua fantasia. Ele cumpre a missão de divertir, mas também ensina coisas simples, como respeitar a imaginação e exercitá-la para tornar o mundo um lugar um pouco mais colorido e interessante. Explicar exatamente o porquê da história de Rushdie ser tão boa é, talvez, um PCD+P/EX: um Processo Complicado Demais Para Explicar. É preciso ler para sentir realmente que influência ela tem em você ao tratar de contar histórias e criar fantasias.

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