Enquanto nossos meninos dormem, lançado pela Editora Oito e meio em 2015, é genial. Essa é a palavra que, a meu ver, melhor o define. Renato Lemos, estreando em livro de contos, estava inspirado quando os escreveu.
O livro reúne histórias cujos protagonistas, em sua maioria homens descasados, tentando aproximações às vezes desajeitadas com os filhos, as filhas, que metem os pés pelas mãos com frequência, carregam um quê de cinismo e olhar aguçado da vida e de si. E é por isso que são textos que fazem rir. Ou sorrir largamente. São personagens que se assumem enquanto cínicos e frágeis, se envolvem em situações complicadas e nem sempre conseguem sair delas facilmente. Os diálogos têm a medida certa e são muito bem-feitos, o que é outro mérito que se pode apontar na obra.
Assim, temos por exemplo o personagem que é servidor público de cartório e que está sendo investigado em esquema de ilicitude. Ele é condenado a certo opróbrio dentro do próprio trabalho, os colegas, em sua maioria, abaixam a cabeça quando ele passa (isso quando não acontece de passarem à agressão verbal), os policiais querem que ele entregue mais informações do que ele diz ter, tudo conspira contra ele. No entanto, em meio a essa crise pessoal e pública, da qual ele tenta poupar sua mulher, o personagem não economizará esforços para proteger o enteado de um bullying violento que o menino vem sofrendo no colégio.
Com a máscara de carnaval da Dilma Rousseff, é capaz de dar uma lição a quem está direta ou indiretamente envolvido no esquema de constrangimento diário a que é submetido o filho de sua esposa. Ou, então, em outro conto, temos um homem cujo pai começa a mostrar os sinais de uma demência que coloca muitas memórias em risco, mas não aquela que consagra a um lugar especial, único e incomparável em termos de beleza, certa região muito particular do corpo de sua mãe.
Algumas homenagens literárias também compõem essa obra, como a William Blake e Adélia Prado, mas o penúltimo conto do livro traz a mais engraçada e brilhante homenagem: a que Renato Lemos faz a Rubem Fonseca. O conto, cujo título já começa muito bem, No cu, pardal (ou o amor segundo Rubem Fonseca), temos um personagem absolutamente obcecado pelo romancista, um advogado que também se permite suas aventuras literárias e que acalenta o sonho de se tornar reconhecido por sua criação ficcional, a qual deseja imensamente compartilhar com seu ídolo. Mas todo amor e toda devoção podem também se transformar em ódio, e o final de No cu, pardal é absolutamente sensacional. Aliás, este conto e Adélia Prado fecham com chave de ouro essa obra que merece destaque entre os lançamentos nacionais mais recentes.
Enfim, os doze contos de Enquanto nossos meninos dormem são dinâmicos e seus personagens são interessantíssimos. Não há enrolação no que eles têm a nos dizer. Os personagens vão diretamente ao ponto, não seguem o ideário politicamente correto que, por vezes, corrói as nossas vidas e a liberdade de pensamento. E, acima de tudo, trata-se de personagens que vão tentando seguir em frente, aos trancos e barrancos, um passo depois do outro, deslize atrás de deslize.
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