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4 poemas de “A voz incauta das feras” por Bárbara Mançanares

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Bárbara Mançanares é poeta e bordadeira. Nasceu no sul de Minas Gerais e vive, atualmente, no sul da Bahia. Possui graduação em História (UFOP) e mestrado em Museologia e Patrimônio (UNIRIO). É autora do livro Maio (Quintal Edições, 2018), Cartografias do corpo que canta (Editora Patuá, 2021) e A voz incauta das feras (Editora Patuá, 2024). Seu segundo livro foi vencedor do Prêmio Nacional Mozart Pereira Soares de Literatura na categoria Poesia em 2023. Atualmente escreve seu primeiro romance com o apoio do Itaú Cultural (Edital Público Rumos 2023-2024).

Poemas:

sobre os mortos todas as palavras
sobre os mortos as fontes e os círios
e ainda os muros em devoção à noite
a face laminada de uma ave fronteiriça
e as flores os pés silenciosos sobre ruas sem nome
sobre mármores e escorpiões
os pés silenciosos sobre a terra lacerada de vento e história
como são as crianças os livros as mãos vazias de certezas
e as bocas aninhadas em medo tempo e ausência
mas também na grafia de um novo idioma
um idioma que precede a topografia de um país

***

não fosse a espessura da pergunta
calcária
(como as conchas que não guardamos)
não fosse a voz
marítima
(como um nome em uma canoa)

por certo haveríamos de amar o chão
seu cansaço enfurecido
como fazem os raios e os presságios
a caligrafia das serpentes


****

costuramos a fúria ao acaso
e chamamos isso
equivocadamente
amor

nossos olhos de marfim
brancos e opacos
diante da noite incansável

nossos corpos de marfim
brancos e opacos
diante do silêncio do fogo

nossos dentes de marfim
brancos e opacos
diante do nome impronunciável de deus

******

guardo no poema as raízes
a fundura do copo
a forma como você lê a sorte em uma xícara
e passa o café quando tudo ainda dorme
guardo as mãos em conchas
a temperatura das águas
os pés ressequidos de infância e barro
guardo ainda a textura imaginada das nuvens
um bilhete esquecido na agenda
as moedas nos vãos dos paralelepípedos
os animais feitos de luz e sombra na opacidade das paredes
guardo o meu nome e o seu como fundamento
de uma linguagem
um poema dentro de um poema

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