Escrever sobre o livro de Thomas Malory é algo considerável. A morte de Artur (Le Morte d’Arthur, no roiginal) tem sido desde o final do século XV bastante representativo na exposição dos mitos arturianos. Qualquer um de vocês já devem ter lido uma parte ou um capítulo desta obra quando frequentavam a escola, entretanto eram versões infanto-juvenis, bem resumidas, mas que moldaram o gosto de muitos leitores adultos de hoje.
O livro é considerado o primeiro romance da literatura inglesa, mais provavelmente podemos constatar como o primeiro romance de fantasia. Uma história que se desenvolve entre o conto universal de amor e a traição, a luta por ideais inatingíveis – como a honra e a nobreza – em meio ao tumulto da fragilidade humana, num cenário de uma época turbulenta, no limiar de uma Bretanha em profunda transformação. A essência da obra de Thomas Malory é atemporal, mantendo-se firme na imaginação de gerações, influenciando um número grande e diversificado de autores, artistas e cineastas. Uma ficção épica que merece, uma ou várias releituras,
Nos últimos anos, o mito em volta da história do rei Artur floresceu mais do que nunca, depois de mais de mil anos de desenvolvimento literário e no imaginário coletivo de nossa sociedade. Qualquer que seja a origem do rei, se houver, ele e seus cavaleiros se tornaram populares a partir do início da Idade Média. Período que se desenvolvia a literatura europeia, onde ingleses e franceses, em especial, criaram variações do mito arturiano, proliferando tanto em livros, quanto em poesia. Atualmente, o arcabouço dessas narrativas arturianas são entendidas como apenas uma lenda, apesar das pesquisas históricas que estão a comprovar o contrário.
Os conceitos românticos do cavalheirismo e do heroísmo, numa época de religiosidade e perfeição secular, foram a base perfeita para que historiadores como o clérigo Godofredo de Monmouth (1100-1155), poetas como Wace (1115-1170) e Layamon (século XIII) e trovadores como Chrétien de Troyers (1135-1191) escrevessem obras baseadas naqueles mitos. Na própria corte francesa, a mais poderosa casa real europeia na época desses escritos, a popularidade do rei Artur era imensa. Os franceses tinham verdadeira admiração por Artur, apesar de ser britânico, por o considerarem como um celta que desafiava as hordas de invasores saxônicos. Na Grã-Bretanha, o desenvolvimento das origens míticas moldaram a força do símbolo patriótico, especialmente após a tradução das obras poéticas francesas. Assim, a lenda arturiana continuava a crescer, estimulado pelo sentimento e imaginação popular, mas foi Le conte del graal de Chrétien de Troyes que serviu como ponto de partida para a maioria das futuras versões do rei Artur.
No início do século XIII foi ampliado ainda mais os mitos em torno de Artur e seus cavaleiros, interligando com locais reais, como Glastonbury ou Tintagel. Outro ponto que acrescentou-se foi a conexão com a Terra Santa e as Cruzadas, entrelaçando os conceitos do resgate do Graal com a remoção dos “pagãos” de Jerusalem, como uma espécie de justificativa divina para a barbárie das cruzadas. A partir deste ponto, Artur foi transformado de guerreiro celta em um verdadeira herói cristão, fato que obscureceu por todo o sempre a verdade por trás do mito.
Após as batalhas de Crécy (1346) e de Agincourt (1415), na Guerra dos cem anos, o papel dos cavaleiros decaiu e eles passaram a ser protagonistas frequentes na literatura. E Thomas Malory (1405-1471)) foi um dos autores que tentaram resgatar a imagem dos cavaleiros a partir de numerosas fontes medievais, principalmente textos franceses. A nostalgia e a idealização da época da cavalaria é notória em toda a sua obra, entretanto a característica distintiva de A morte de Artur é uma narrativa precisa, breve e sucinta, que distancia das ideologias e alegorias que predominaram nos textos artúrianos anteriores. Partindo de um material tradicional rico em histórias entrelaçadas e alegorias religiosas, Malory cria uma história mais ágil e dinâmica, na qual predomina o realismo, as passagens fantásticas são só um complemento à trama. Os detalhes nas expedições e nas aventuras dos cavaleiros são feitos com uma maior importância, em suma, por ser Malory um militar, não um estudioso da lenda arturiana. Concluída em 1470, o épico que culmina com a morte do rei Artur, introduz elementos já populares, como “a espada na pedra”, “a Távola Redonda”, “a demanda do Santo Graal”, o adultério de Lancelot e Guinevere, o conto de Tristão e Isolda, o prelúdio para a tragédia final são levados para um estilo mais ou menos único e coerente.
Thomas Malory escreveu os 507 capítulos de Le Morte d’Arthur na prisão, ponto muito discutido sobre a vida do autor. Nascido como nobre, membro do Parlamento, Malory era um mercenário, que diversas vezes foi preso, acusado de uma série de crimes, como estupro, assassinatos e assaltos a conventos. Durante a Guerra das Duas Rosas – a guerra civil inglesa – caiu prisoneiro, e enviado à Torre de Londres. Nesta ocasião, conheceu um nobre inglês com uma vasta biblioteca de obras sobre o rei Artur e sob essa influencia Malory escreveu sua versão, The Book of King Arthur and His Noble Knights of the Round Table. Teria mesmo ele escrito a obra? Se sim, como um criminoso poderia ter escrito? Ficam as perguntas para indagações futuras.
Podemos resumir a obra em oito contos: o primeiro narra como Merlin planejou a sedução de Uther Pendragon e seu casamento com Igraine, levando ao nascimento de Artur e sua posterior ascensão como rei; o segundo, trata da criação da Távola Redonda e da invasão da França e Roma; o terceiro, concede a Lancelot o papel principal; em seguida, o quarto, trata de Gareth, irmão de Gawain; o quinto, sobre Tristão e Isolda; o sexto, sobre a busca do Graal; o sétimo sobre o romance entre Lancelot e Ginevere e o último, a descoberta do adultério, a batalha entre Mordred e Artur e a morte do célebre governante de Camelot. A obra foi publicada por William Caxton em 1485, que dividiu os contos em oito livros, prefaciando a obra e intitulando como A morte de Artur.
Graças a esta publicação, os relatos arturianos ficaram conhecidos em múltiplas e variadas edições. Fruto tardio da era medieval, A morte de Artur é sem dúvida a versão “moderna” do universo em torno do mito de Artur e propiciou inspirações tão diversas quanto Walter Scott, Alfred Tennyson, Mark Twain, T.H.White ou J. Steinbeck. Uma obra de impacto que teve um relativo êxito em unir uma narrativa concisa para recontar um material já clássico.
Olá, adorei seu artigo, muito bom e completo. Parábens.
Eu desconhecia a obra, um comentário no meu blog falou da série para tv e indicou o livro, pensei então em fazer uma matéria e encontrei a sua.
Está perfeita!
Espero que naõ se importe, eu vou coloca-la em meu blog com o link do seu site.
Qualquer coisa é só pedir que a removo.
Muito obrigada.