Onde está meu coração?, de Geny Vilas-Novas, lançado pela 7Letras em 2015, é um livro de memórias. Trata-se do terceiro livro da autora e fala de família, saudade e separação. A Mãe, que perdeu o coração, ou ao menos não o sente mais batendo no peito, roda em torno da questão sobre o paradeiro do músculo vermelho, o órgão representante do afeto. O coração ausente parece representar exatamente a ausência dos filhos, que agora vivem em países distantes com os respectivos cônjuges. A Mãe, enquanto protagonista, encontra-se identificada com o Homem de Lata do Mágico de Oz e com outros personagens, que são mencionados e retomados constantemente ao longo do livro. Talvez o seu mote seja justamente a busca de um norte, a caminhada em torno de algo que não se sabe muito bem o que é.
Na história, a Mãe, sem um nome que a identifique como pessoa singular e independente das funções que exerce na família e na casa (tanto que, volta e meia, refere-se à Mãe, ela própria, como Rainha do Lar), faz tudo para agradar aos filhos e gosta de presenteá-los. O Pai também é identificado, enquanto personagem, por sua função na família. Não são personagens que trazem consigo histórias variadas, isto é, são personagens que parece não ter um passado antes de se tornarem pai e mãe, ou Pai e Mãe, e que, se o tem, não possuem outros conflitos paralelos que nada se relacionam com sua função familiar. É como se não houvesse desejos individuais, e suas reviravoltas, seus impasses, seus abandonos, suas tragédias não existem, a não ser quando referenciados à vida familiar.
Aqui e ali, a narrativa insere algumas lembranças de Minas Gerais e outras terras natais e longínquas, mas não enquanto cenário para um personagem que tem muitas facetas (ou ao menos algumas) e sim enquanto mais um elemento constituinte de um quadro de memórias. No romance, tudo gira em torno da partida dos filhos e do desdobramento afetivo de tal partida. É uma espécie de elaboração do luto, não referente à morte de alguém, mas a perda de uma presença constante.
Entre as reflexões sobre o ninho vazio e as associações com outros entes familiares cativos de afetos, há algumas que agregam certa metalinguagem, por exemplo quando a narradora pensa sobre o memorialista e o biógrafo, quando fala de certa angústia em relação à literatura, quando se pergunta sobre a alma do livro e dos próprios livros que escreve. Tais reflexões são feitas sempre com uma linguagem delicada e metafórica, e a delicadeza do texto é uma constante, mas senti falta de um enredo. Não necessariamente uma trama objetiva, com início, meio e fim, ou meio, fim e início, mas um enredo que, mesmo seguindo a linhagem de autores como Clarice Lispector, Virginia Woolf e outros, em que “nada” acontece mas tudo acontece, trazem um fluxo de consciência interessante do ponto-de-vista literário e retratem um conflito e o percurso do personagem face a esse conflito.
Comente!