Frases longas, parágrafos sem fim e nenhuma ordem cronológica de apresentação dos fatos. Essa é a característica inconfundível de António Lobo Antunes, um dos maiores nomes da literatura portuguesa. E não há forma melhor de conferir sua genialidade narrativa como em uma de suas primeiras publicações, Os Cus de Judas.
Formado em medicina, com especialização em psiquiatria, Lobo Antunes atuou como médico na guerra de independência da Angola. E foi essa experiência que marcou profundamente seus três primeiros romances, entre eles Os Cus de Judas. Falo isso para ilustrar o enredo da obra, pois essa vivência da guerra é que gerou uma das grandes obras da língua portuguesa.
Publicado no Brasil pela Alfaguara, Os Cus de Judas conta os dias de um médico do exército português na guerra angolana, alternando o relato das tragédias do país com lembranças da juventude do narrador. Uma leitura densa, carregada de emoção e reflexões sobre a guerra e a própria vida. O protagonista/narrador passa anos em Angola, um “cu de Judas” sem lei, onde todos parecem animais, onde a morte pode aparecer a qualquer momento.
Com referências a livros, músicas e filmes, o protagonista ilustra suas vivências, procurando passar ao leitor da melhor forma possível os seus sentimentos em relação a cada momento de sua vida. A angústia de estar longe da mulher grávida de sua primeira filha, a saudade da família, que de certa forma o empurrou para a guerra, os horrores dos seus pacientes mutilados. E a constatação de que a única coisa realmente útil que podia fazer por eles era trazer a morte. Pois quem gostaria de se manter vivo para ver mais das atrocidades, da miséria dos cus de Judas para onde eram enviados?
António Lobo Antunes fala de como a guerra se crava na pessoa, tornando-a difícil de esquecer, de arrancar da pele. Os dias de serviço em Angola afetam diretamente a personagem, lhe tira um pedaço da vontade de se manter vivo. Na volta para casa, ele se sente tão perdido que apenas a guerra lhe parece familiar, aconchegante. Contudo, um conforto longe de ser apreciado. O protagonista se sente tão desesperado a essa vivência desumana que se segura em qualquer coisa, por mais insignificante que ela seja, para se manter em pé. Principalmente quando percebe que parte da negligência do país vem de seus próprios companheiros.
A guerra não tem sentido, nem propósito, além de matar e destroçar. Como sair bem de um conflito que não leva a nada, depois de ver milhares de pessoas perecerem por conta dele? São pensamentos assim que não saem da mente do narrador, que muda sua ideologia e abrem nele feridas que nunca vão se cicatrizar. O que resta a ele é aprender a conviver com ela, com as lembranças dela, para se manter são.
Lobo Antunes construiu uma narrativa de uma intensidade tão real que torna impossível de largar o livro, por mais complicado que ele pareça ser. Logo o leitor se habitua ao seu estilo, e entra nos horrores do combate que ele vivenciou. Terminando a leitura com uma melancolia profunda por, como o protagonista, não poder fazer nada para diminuir o sofrimento daqueles que na guerra vivem. Uma leitura recomendada, de uma crítica relevante sobre atos irracionais que não trazem benefício algum.
Angola não teve GUERRA. Teve outrossim de defender com unhas e dentes, defendendo a sua integridade e dos seus até ao limite da desfaçatez humana. A atitude foi de defesa. Quem foi atacado foi Portugal. Após a Conferência de Bandung em 1955 os povos autóctones empertigaram-se ! Hoje nem pão, nem água, têm !