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Quatro perguntas para a escritora Nara Vidal

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Nara Vidal é mineira de Guarani. Formada em Letras pela UFRJ, concluiu um Mestrado em Artes pela London Met University. Publicou vários livros infantis. “A Loucura dos Outros” (Editora Reformatório) é seu segundo adulto. Nara foi premiada duas vezes com o Brazilian Press Awards e com o Maximiano Campos na categoria contos. É colaboradora de jornais e revistas brasileiras e britânicas e atua na execução de eventos ligados à literatura. Desde 2001 reside na Inglaterra. Fizemos quatro perguntas à autora. Confira abaixo:

1 – Há em seus personagens uma espécie de não aceitação das condutas normativas ligadas às tradições culturais, como casamento, filhos, família, os seus personagens obedecem às suas pulsões sem algum tipo de culpa. Queria que você me falasse destes ótimos personagens desenhados por você, no livro A loucura dos Outros.

Acho que lendo o livro, ou seja, de fora pra dentro, eu poderia dizer que ele trata de hipocrisia e machismo. Através das personagens femininas e masculinas, eu tento expor a fragilidade, as rachaduras do que nós somos diante do que nos é imposto socialmente. Mas no apagar das luzes, nos deparamos com os nossos próprios fantasmas, as nossas inquietações, nossos desequilíbrios emocionais, paixões, ódios, segredos comuns ao ser humano, mas que são indizíveis porque são feios. Dessa forma, estamos sempre prontos a apontar o crime o pecado dos outros, nunca os nossos próprios. Loucos são sempre os outros. A loucura é sempre deles, nunca nossa. Essa seria uma reflexão de fora pra dentro. Na construção dos personagens, no entanto, ou seja de dentro pra fora, eu me contive no universo feminino, especialmente.

Cresci numa sociedade muito machista. Somos três irmãs e nenhum irmão. Sempre ouvi dizer que era preciso que nos comportássemos de determinada maneira para que fossemos levadas a sério, para que não nos julgassem vulgares, para que estivéssemos sempre corretas aos olhos da sociedade. Só depois de adulta eu fui questionar essas “verdades”. Percebi que nem sempre eu queria ser levada a sério, que ser vulgar, às vezes era inevitável, que eu não queria ser correta de acordo com outros que pouco exemplo têm a dar. O resultado disso pode ser que, os que rebelam, explodem. Os que sucumbem, sofrem. Mas sempre há consequências.

2 – A noção do próprio título “A loucura dos outros”, nossa loucura nunca é vista como algo de natureza bem individual, ela está sempre fora do cerne do eu, ela é vista como terceira pessoa na maioria das vezes. Mas na literatura este  tema funciona muito bem narrativamente. Porque esta visão dicotômica de que a loucura está sempre além do nosso olhar subjetivo. Parodiando Sartre “Louco são os outros”.

O louco, a louca são os que apontamos de forma simples e que nos lembram nós mesmos. Quando classificamos alguém como louco ou que tenha feito uma loucura, encaramos, nem que seja por um momento, nós mesmos naquele papel. É assustador! Especificamente em relação à loucura da mulher, geralmente ela está associada à quebra de códigos e expectativas socioculturais. Eu me lembro de não poder dizer a palavra “divórcio” quando era pequena. Era sinônimo de fracasso, de desistência. Aí, eu cresci, me casei e me divorciei. Não que eu pregue a banalização do divórcio ou de qualquer ruptura de relacionamento, mas a emancipação da mulher foi colocar-se em primeiro lugar e não se contentar com insatisfações, diferenças extremas. O meu divórcio não causou o espanto que teria causado se tivesse sido algumas décadas antes. A geração da minha mãe talvez visse essa ruptura como uma baita loucura, mesmo que várias mulheres daquela época sonhassem com aquela espécie de recomeço negado puramente por convenções não questionadas e muito menos desafiadas.

Livro “A Loucura São os Outros”

3 – Queria que você me falasse um pouco da linguagem que utilizou para narrar seu livro. Que tipo de modulação da voz você buscou para deixar o livro com este estilo seco, mas sempre com uma afetividade correndo nas entrelinhas?

O curioso foi que quando eu comecei a escrever os textos, o primeiro foi ‘Maria Dulce’, e depois ‘Silvia’, Ambos bastante duros e realistas. A partir deles eu tracei essas características. Mas na concepção, na chamada inspiração, a linguagem não foi de caso pensado. Tive um conflito no decorrer do livro: escrevi ‘Ifigênia’, que é um texto com características fantásticas muito claras e presentes nele todo. Eu quis muito concluir o livro como ele havia começado. Assim, escrevi Iris que fecha o livro. Engraçado que enviei pra Editora Reformatório vários arquivos intitulados “final”, “definitivo”. Mas a conclusão só aconteceu depois que eu enviei o arquivo que continha Iris como último texto.

Eu acho que a linguagem veio naturalmente porque apesar de falar de machismo, da hipocrisia e da dureza do universo da mulher, eu cresci com o conceito do feminino muito presente e pulsante na minha vida. Não era possível amputar tão drasticamente o feminino do machismo, que , talvez, se fortaleça e sobreviva exatamente nesse conceito forçado e forjado pela sociedade patriarcal.

4 –  Seu livro teria na minha opinião teria uma experiência feliz no cinema, como aqueles filmes do Altman que fazia filmes corais onde haviam várias estórias interligadas com veios bem dramáticos. Nunca pensou em ver este livro adaptado para o cinema? E se sim, qual seria seu diretor preferido?

Você sabe que às vezes eu também acho que as histórias, se roteirizadas, dariam um filme. Especialmente em sketches, com uma colcha de retalhos das vidas tão comuns dessas mulheres. A representatividade delas na nossa mais simples e delicada rotina é o gancho para o espanto e choque dos nossos desvarios e desequilíbrios diários. A rotina é uma gaiola, uma jaula. É só passar tempo suficiente lá dentro e pronto, enlouquecemos todos.

Para mim, o livro poderia ter virado um filme da Chantal Akerman, já que é pra sonhar, deliremos! No filme mais conhecido, “Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles”, ela conta a história de uma mãe, Jeanne. Tudo se passa na casa, na vida doméstica de uma mãe que cozinha, lava, passa e se prostituiu para a sobrevivência dela e do filho. A linguagem e a estética são secas, realistas, mas há enorme atenção à delicadeza. As cenas são lentas, demoradas, detalhadas. Ela se concentra na intensidade do simples, do rotineiro, do universo da mulher. Já que estou sonhando despudoradamente, então, Chantal Akerman dirigia o filme do meu livro.

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