Literatura

Resenha: A última confissão de Drácula

Lenda e fatos reais mesclados num romance de sangue e amor.

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Drácula! Nome que já nos remete àquele personagem sanguinário, depravado e sensual que Bram Stoker criou em seu homônimo livro, que, aliás, seria Wampyr, se não fosse um relato de um viajante que chegara dos Cárpatos, mencionando a história de um homem famoso por suas barbaridades e conhecido naquelas paragens como ”filho do diabo”. A partir daí, o termo vampiro se mesclou ao nome e muitos chupadores de sangue apareceram. Além de diversos trabalhos publicados sobre o autor, sobre aquela região e aquela figura notória da Transilvânia. Em Vlad, a última confissão (Vlad: the last confession, tradução de Maria José Silveira, Record), o canadense Chris C. Humphreys vai além do mítico e assustador nome e escreve uma ficção histórica sobre o “verdadeiro” Vlad Tepes.

Baseado em farta documentação sobre a Idade Média, em especial, naquela região dos Bálcãs, nos Cárpatos, a Valáquia, o livro mescla relatos históricos e arcabouços bem inspirados do autor. Por sinal, Humphreys ao escrever sobre o conde valáquio, propôs uma abordagem mais verdadeira, sem julgamentos desse déspota militar do século XV. Nas palavras do autor: (…) deixei-o [o Drácula] ser quem ele foi, fosse o que fosse, colocar suas ações lado a lado com o registro de sua vida e com o contexto do lugar e época brutais em que viveu (…)”.

A narrativa se inicia alguns anos depois da morte de Vlad Drácula, quando um encarregado do rei da Hungria, Janos Horvathy, chega ao território valáquio, à fortaleza do voivoda1 para descobrir a verdade sobre o último fraternatis dragonem2 que marchou numa cruzada contra os turco-otomanos. Para tanto, terá que encontrar três pessoas, que conviveram com Drácula em sua turbulenta existência. Cada qual irá relatar os muitos momentos que passaram juntos com o díspare personagem. Assim, Íon Trembac, amigo e antigo cavaleiro de Vlad; Ilona Ferenc, a única mulher a quem ele amou e irmão Vasile, um eremita que muitas vezes serviu como confessor do conde, narram seus testemunhos que se entrelaçam para criar um retrato detalhado do governante tirano e bondoso, do cruzado, arma de Cristo, do assassino torturador e do herói empalador.

Conhecemos então, o período que Vlad passou como refém, após um tratado que seu pai fez com o sultão turco. Pelo qual, ele e seu irmão, Radu, seriam levados como prisioneiros em troca da paz nas terras governadas pelos Draculeti. Vlad então estuda no enderum kolej como aluno privilegiado, onde o grego, as ciências naturais e matemáticas, a poesia persa, o Corão, a caça e o manejo das armas são ensinados. Entretanto, principalmente após confrontar o filho do sultão, é mandado para o Tokat, um lugar terrível, onde aprenderá a conviver com torturas das mais diversas.

Com a morte do pai, retorna a Valáquia. Agora como governante, segue uma lista de alianças, batalhas contra turcos, novos acordos e traições. Muitas traições por sinal que culminam na vingança e na imposição de uma sanguinolenta lei em sua terra. Grande parte dos crimes resultavam em condenação à morte por meio do empalamento, prática ensinada no Torak, que ele aperfeiçoou em maior escala. Pretendia manter assim seu trono e afugentar os turcos para longe da fronteira, mesmo que o procedimento não fosse apropriado, era daquela forma que via a dura máxima “torturamos os outros para que eles não possam nos torturar”.

Com a imprensa de Gutenberg, seus inimigos aproveitam de seus pecados, e espalharam panfletos – as propagandas virais da época – por toda Europa, destruindo a humanidade de Vlad, criando a lenda que atualmente conhecemos. Por fim, temos sua última campanha… E sua misteriosa morte?

Numa linguagem bem construída, descritiva até demais nas cenas de tortura e de batalha, Vlad, a última confissão é um livro com um ponto de vista diferente, que leva o leitor a analisar cada um dos momentos do personagem. Humphreys consegue retratar uma época confusa e agitada, para não dizer desconhecida, descrevendo lugares e situações das mais diversas, como as pessoas viviam, se vestiam, se relacionavam… De uma maneira que nos hipnotiza e principalmente pelo modo que o autor não se esforça para esconder nenhum dos pecados do personagem.

Com um final que surpreenderá todos os envolvidos, a história de Vlad explicita esse personagem tão falado nos dias de hoje, mas que realmente é tão pouco conhecido.

1Conde

2Ordem religiosa-militar, conhecida como Ordem do Dragão, fundada para combater os islâmicos na fronteira do Ocidente, os Bálcãs.

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Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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