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Trechos do livro “Assassinato no Monte Roraima”

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Edgard Zanette nasceu em Medianeira, PR, e cresceu em Foz do Iguaçu. É pós-doutor em Filosofia pela Unicamp e professor na Universidade Estadual de Roraima (UERR). Campeão brasileiro de Xadrez Blitz, Edgard começou a jogar xadrez e a escrever aos 14 anos. Sua estreia na ficção aconteceu com o romance “Assassinato no Monte Roraima” (Editora CRV, 2023), que combina mistério, filosofia e fantasia, inspirado em sua própria expedição ao Monte Roraima.

***

“A noite não estava completamente escura e Terence se encontrava perdido sobre sua localização precisa. De repente, um clarão vermelho invadiu o quarto, fazendo-o acordar abruptamente.

Consciente de que não estava sonhando, ele reconheceu um cheiro familiar e ouviu o som característico de um carro pesado e antigo, que fez sua casa tremer levemente. Ao lado dele, sua esposa estava dormindo e começou a acordar com um leve ronco, sorrindo ao se dar conta da hora, ela lhe diz: são seis horas!

Ele tinha uma rotina matinal sagrada: desfrutar de um banho gelado, tomar uma xícara de café preto sem açúcar, saborear uma arepa, enquanto sintonizava seu rádio para ouvir músicas como as de Oscar De Leon.

A grandiosidade da vida não dependia de eventos extraordinários; ela se revelava na simplicidade do trabalho diário, no cumprimento das responsabilidades financeiras e no apoio à sua família, tudo isso enquanto seguia sua paixão.

Caramba! Tantas aventuras vividas! Ao mesmo tempo, os anos pesavam sobre seus ombros enquanto subia aquela montanha. Ele era magro, mas muito forte, embora não tão forte quanto nos tempos áureos de seus vinte anos. A idade pesa, mas também ensina. Sua experiência contrastava com os sinais de fraqueza que começaram a aparecer. Antigamente, carregar vinte quilos não representava dificuldade alguma. No entanto, agora, quinze quilos na mochila, já lhe maltratavam, e ele precisava se manter firme na frente de todos, liderando a expedição e ditando o ritmo.

Com quatorze anos de experiência como guia, aquela montanha era tudo o que ele tinha; seu ganha-pão e a salvação de sua família no maravilhoso e entristecido país que tanto amava e odiava”

***

“Em um tranquilo hotel de selva, escondido nas redondezas da cidade de Santa Helena de Uiarém, um improvável grupo de aventureiros se reunirá por obra do destino, todos impulsionados pelo mesmo desejo. 

Os dois franceses foram os primeiros a chegar, ansiosos para encontrar o restante do grupo. Assim que chegaram, foram calorosamente recebidos por um atendente prestativo, que os surpreendeu ao falar inglês e francês fluentemente. A Venezuela é uma caixinha de surpresas!

Após alguns instantes, o atendente retornou, trazendo em suas mãos uma surpresa para o casal:

– Trago um coquetel de presente para vocês – anunciou o atendente.

– Mercy beaucoup!

– Vamos precisar de muito líquido – complementou Louis.

Enquanto o atendente se afastava para cuidar de suas tarefas, Camille pegou o coquetel das mãos de Louis com um gesto despudorado, tomando um gole generoso, enquanto conversava com seu marido. A conversa íntima deles foi breve, diante das experiências que estavam vivenciando.

***

Em 1991, durante o Campeonato Mundial Cadete em Guarapuava, o Grande Mestre russo Wladymir K. alcançou um feito brilhante ao conquistar o título, abrindo portas para um futuro

promissor em sua carreira no xadrez.

Esse evento marcante impulsionou sua trajetória, proporcionando-lhe inúmeras oportunidades profissionais, incluindo a perspectiva de um futuro título mundial absoluto.

Além de exibir um desempenho excepcional no tabuleiro, Wladymir também soube aproveitar as interações sociais ao máximo, estabelecendo amizades com os demais participantes e compartilhando momentos divertidos regados a pizza e cerveja.

Essa abordagem amigável e a camaradagem entre os competidores criaram uma atmosfera descontraída durante toda a competição.

Ao longo do torneio, diversas amizades foram formadas, mas uma se destacou acima de todas: a relação entre Wladymir e Javier Aquino.

Javier era um jovem mestre de xadrez da Venezuela que se orgulhava de suas raízes indígenas. Com um metro e cinquenta e seis centímetros, possuía cabelos negros ralos e uma beleza singular. Tinha o olhar marcante e sua personalidade era uma mistura de seriedade e bom humor, chamando atenção de todos.

Sua participação em um campeonato de xadrez tão importante desafiou estereótipos enraizados sobre os indígenas e evidenciou a capacidade deles em se destacar.

Ao demonstrar maestria no xadrez, refutou preconceitos, reafirmando que a inteligência e as habilidades não conhecem barreiras culturais.

Para muitos, essa foi a primeira oportunidade de interagir seriamente com povos originários, e isso despertou reflexões silenciosas na mente das pessoas.

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