Na quinta-feira, 4 de agosto de 2011, Mark Duggan, um inglês negro de 29 anos, foi morto por policiais no bairro de Tottenham em Londres, capital da Inglaterra. Ele foi abordado em um táxi e levou tiros no peito e no braço. Os autores do disparo teriam sido policias que investigavam crimes com armas de fogo no bairro. A morte por circunstâncias ainda não esclarecidas foi motivo de protesto realizado por moradores de Tottenham, no sábado, dia 6 de agosto. Daí em diante se instalou o caos em Londres, disseminando terror e medo por outras cidades do país.
Grupos de jovens saqueiam lojas, ateiam fogo em prédios, tumultuam e depredam várias cidades inglesas como Londres, Liverpool, Nottingham, Birmingham, Salford e Manchester. Este é o atual cenário da Inglaterra, país desenvolvido, do 1º Mundo, que fica bem ali em uma ponta do continente europeu chamada Reino Unido (vide destaque no globo). Alias, ultimamente, a Europa tem sido palco de vergonhosos atentados. Na Noruega, um atirador foi responsável pela maior tragédia do país desde a Segunda Guerra Mundial, e matou mais de 90 pessoas em um duplo atentado no país.
Se voltarmos tempo suficiente na história, podemos recordar o que aprendíamos sobre os civilizadíssimos europeus, que queriam conquistar novos territórios para torná-los civilizados também. Bem, dizem que o mundo dá voltas e hoje, cá estamos, vendo o caos se instalar no continente mais evoluído e civilizado do mundo (para usar os termos deles).
A mim, os acontecimentos lembraram gritos orwellianos.
George Orwell, em 1949, publicou o livro que o deixaria consagrado para sempre, chamado 1984. Nesta obra, o autor – curiosamente inglês – retrata a vida em um país de regime político totalitário e essencialmente repressivo. Na história, Winston Smith trabalha para o governo, no Ministério da Verdade, reformulando e filtrando conteúdo para os folhetins informativos do país. Apesar de não concordar com o sistema, ele não encontra meios para uma revolta e continua realizando suas funções exatamente como deve ser.
Instrumentos como o jornal com conteúdo modificado e a teletela (uma tela presente em todos os lugares, até na casa das pessoas) controlam toda população, sob o jargão “Big Brother is watching you!” (“O Grande Irmão está de olho em você”). Big Brother seria o criador do Socing (o Partido do regime governamental, que representa uma clara alusão ao Socialismo Inglês) e, por isso, deveria ser venerado diariamente. Ao passo que Emmanuel Goldstein era um traidor do Partido e, todos os dias, “Dois Minutos de Ódio” eram reservados para insultá-lo e enaltecer o BB.
O regime descrito por Orwell reinventou o vocabulário, a Novafala, criando palavras como imbom para definir o contrário de bom e, de certa forma, eliminar conceitos negativos que poderiam afetar o sistema. Os valores reproduzidos por esta sociedade eram configurados pelo conceito do duplipensamento, que significa armazenar e ser fiel a duas crenças, simultaneamente. O mundo criado pelo autor era todo dicotômico, como os seus ministérios que representavam, na prática, justamente o oposto dos seus nomes: o Ministério da Paz que cuidava dos assuntos da guerra, o da Verdade que produzia mentiras, o do Amor que praticava torturas e o da Fartura, responsável pela fome.
No trabalho, vigiados pelas teletelas, os funcionários não podiam conversar entre si. Mas Julia consegue fazer com que um bilhete chegue nas mãos de Smith. A moça destemida, nos encontros ultra secretos que planejava em detalhes para que tudo desse certo, desperta uma atração incontrolável em Smith. Incentivado à revolta por essa paixão, o casal se junta a O’Brien, que os convence da existência de uma confraria de resistência ao governo. Porém, o próprio O’Brien é um entusiasta do Partido do Big Brother e acaba prendendo os opositores.
Então, me lembro de que, como havia observado o antropólogo Louis Dumont sobre a sociedade tradicional indiana, um sistema pode conter em si o seu contrário para, então, sobreviver e se perpetuar. É como se fosse um ciclo sem fim e como se as revoltas já estivessem previstas, de certa forma, pelo próprio sistema.
Dumont chama este movimento incessante de englobamento do contrário. Mas podemos entendê-lo desta forma: é como descobrir que estamos sempre de mãos atadas.
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