Uma narrativa perturbadora e sombria em “Viva para contar”

36
0

É bastante salutar às vezes que encontramos uma história que supera as expectativas. Mesmo sendo o quarto livro de uma série e o primeiro publicado no Brasil, Viva para contar (Live to tell, tradução de Ivar Panazzolo Júnior) como toda ficção policial usa da linguagem convencional do gênero, mas surpreende por oferecer uma das narrativas mais chocantes que já li na perspectiva do crime fiction.

Escrito por Lisa Gardner, o livro não atrai pela capa e pelo release passaria batido, mas uma frase me chamou a atenção. Bem abaixo do título, “Ás vezes, os crimes mais devastadores são aqueles que acontecem mais perto de nós”, com essas palavras me aventurei à leitura. Tanto pela forma que é conduzida a história como as cenas descritas, este é um livro que deixa suas marcas que chocam até mesmo aqueles já acostumados com narrativas com malévolos seriais killers ou imagens sangrentas.

Lançado pela Novo Conceito, o livro apresenta a investigadora D.D. Warren, já veterana e com seus quarenta anos, solteira envolta com sua atribuição policial em Boston. Seu trabalho lhe dá pouco tempo para a vida pessoal. A chamada que interrompe mais um possível relacionamento é de mais um homicídio na cidade. Entretanto, o caso não é tão simples, uma família inteira foi aniquilada, o pai – possível suspeito– está no hospital entre a vida e a morte. Seria mais um caso de assassinato seguido de suicídio?

Para Warren há mais elementos no caso do que os já indicados. E quando, na noite seguinte, outra família sofre o mesmo destino, o instinto investigativo da policial faz procurar conexões. As pistas levam para um hospital psiquiátrico, onde crianças com distúrbios de violência e severos bloqueios são auxiliadas para conviverem com seus medos e traumas. É nesse local, que Warren encontra Danielle Burton, uma enfermeira com um passado assustador, foi a única sobrevivente de um massacre familiar e com a proximidade do vigésimo quinto aniversário da tragédia, leva a crer que algo horrível está próximo de acontecer. Enquanto a investigação prossegue somos apresentados a outra personagem, uma dedicada mãe de família, que tenta garantir uma infância tranqüila ao seu filho de oito anos, mesmo sabendo que é uma tarefa impossível pela deficiência mental que o menino possui.

A autora habilmente tece o enredo, onde a vida dessas três mulheres se conecta de maneiras inesperadas. Pecados e segredos convergem para um fim surpreendente. O desenrolar dos fatos entretém nas quase quinhentas páginas do livro e concentra o leitor até o momento certo de sanar as respostas desta chocante história.

Agora você pergunta o que tem de tão chocante nesse livro? Viva para contar absorve uma dura realidade, a da psicopatia infantil e transporta a uma atmosfera diferente, onde a crueldade é um aspecto cotidiano de crianças que ou nasceram assim ou se tornaram psicóticas. A ação pode não ser tamanha, mas o tratamento que a autora faz para o problema corrobora mesmo com a interdisciplinaridade e o significado do tema.

As personagens foram construídas com uma expressividade psicológica tamanha que fornece uma proximidade que perturba durante a leitura. O espanto e o desespero aderem às cenas moldadas por Gardner, não é a toa que na parte final nem mais importa saber do assassino, mas da conjuntura que cada personagem chega ali, expostas ao impacto do momento.

Seguindo a trilha que Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, Dashiel Hamment.,Raymond Chandler e Ross McDonald o livro é independente de outro da série, apesar de ser o quarto volume, a história tem seus trâmites bem concentrados e seguem um ritmo próprio enquanto a trama evolui. Fico aguardando os demais títulos para conhecer mais dessa autora, que em minha pesquisa já foi várias vezes Best Seller pelo The New York Times, um dos principais jornais estadunidense, expoente na literatura do país.

Viva para contar é um daqueles livros que assusta. Falando nisso fica a pergunta quais são os valores de um serial killer? Seriam as convenções psicóticas impostas? Com uma história envolvente, direta, um tema sério e assustador, personagens bem desenvolvidos, o livro surpreendeu. Fica a dica, recomendo, mas aviso, choca.

[xrr rating=5/5]

Cadorno Teles
WRITTEN BY

Cadorno Teles

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *