Com fim do Pink Floyd, uma reflexão sobre a longevidade no rock

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Beatles, Velvet Underground, The Jam, Sex Pistols, The Smiths, Led Zeppelin, Nirvana. O que estas bandas têm em comum? Duraram pouco. Justamente por não terem perdurado o suficiente para vivenciar a decadência, viraram lenda e para sempre serão lembradas quase como que perfeitas, já que não tiveram tempo de cometer erros humanos. Até porque, seguindo a lógica da essência urgente do rock, todas as bandas deveriam durar pouco, no máximo dez anos (nenhuma das citadas acima extrapolou esse limite).

Claro, Lou Reed seguiu em carreira solo e até fez uma reunião do Velvet em 1993, Paul McCartney lota estádios tendo como chamariz de seus shows os clássicos de sua antiga banda, os Sex Pistols andaram se reunindo nos anos 90 e 2000, o Led Zeppelin se reuniu duas vezes – em 1985 no Live AID e 2007 no concerto no O2 Arena – sem contar a turnê de Page e Plant que até passou pelo Brasil em 1996; e Morrissey e Johnny Marr em seus respectivos shows nunca deixam os fãs dos Smiths sem uma palinha do que outrora faziam juntos. Mas esses são meros desdobramentos. As “instituições” banda já estavam dissolvidas.

Sex Pistols: carreira meteórica "live fast die young"
Sex Pistols com Syd Vicious: exemplo de carreira meteórica “live fast die young”

Do outro lado da balança grupos como U2, o Rush, o Deep Purple, o Echo & the Bunnymen, Iron Maiden, The Who e, claro, os Rolling Stones como exemplo de grupos longevos, que atravessaram décadas mesmo que alguns desses tenham perdido membros originais. Quando o rock se tornou um gênero quarentão nos anos 90 e percebeu-se que várias bandas estavam completando 20, 30 anos de atividades e outras se reunindo. Começou-se a discutir sobre a longevidade no rock. Ora, no Blues e no Jazz ela sempre fora bem aceita, por que não no rock?

“O rock é essencialmente juvenil, uma vez que o artista atinge uma certa idade perde a credibilidade”, defenderão uns. De fato, o risco da caricatura sempre está à espreita com o avançar dos anos de atividade. Mas o rock evoluiu, se ramificou, cresceu com seu público e a partir do final dos anos 60 já tínhamos a psicodelia, o experimental, o progressivo, o art rock. A sofisticação (não elitização) da sonoridade e maior contundência das letras permitiriam que as músicas pudessem ser executadas pelos artistas em qualquer idade sem risco de não fazer mais sentido. Neste contexto estava inserido o Pink Floyd.

Na última sexta feira, dia 14 de agosto, o vocalista David Gilmour divulgou em entrevista nota oficial confirmando o que já sabíamos há muito tempo: o Pink Floyd havia acabado. “Já deu para mim. Passei 48 anos no Pink Floyd – muitos deles, lá no começo, ao lado de Roger (Waters, baixista fundador que deixou o grupo). Aqueles anos, que agora são considerados nosso auge, eram 95% alegres, musicalmente engrandecedores, cheios de diversão e risadas. Eu certamente não quero deixar que os 5% restantes afetem meu ponto de vista do que foi um tempo longo e fantástico juntos. Mas já deu o que tinha que dar, acabou. Seria uma coisa falsa voltar e fazer tudo de novo”, disse o ex-guitarrista à revista Classic Rock.

Pink Floyd. Da esquerda para a direita: Richard Wright, David Gilmour, Nick Mason (ao fundo) e Roger Waters
Pink Floyd. Da esquerda para a direita: Richard Wright, David Gilmour, Nick Mason (ao fundo) e Roger Waters

O Pink Floyd iniciou suas atividades em 1967 seguindo a onda psicodélica que tomava o Reino Unido de assalto, mas de forma até mais ousada do que as demais bandas, incorporando elementos jazzistas e muita experimentação. A banda era liderada pelo vocalista e guitarrista Syd Barrett, melhor amigo de Roger Waters, mas que acabou expulso da banda que fundara devido ao abuso de drogas que potencializavam seus problemas de caráter psicológico.

Depois da substituição de Barrett por David Gilmour, o Pink Floyd se encontrou em um curto período de crise existencial pela perda de seu membro fundador e principal compositor, mas logo as coisas encontraram seu eixo e a banda experimentou sua fase áurea com discos como The Dark Side of the Moon, Wish You Were Here e The Wall..

Em 1985, com as relações internas estremecidas, Waters anunciou o fim da banda pela primeira vez. Mas em 1987 Gilmour, o baterista Nick Mason e o tecladista Richard Wright anunciaram a volta do Pink Floyd sem Waters, que processou o trio para impedir que usassem a marca. No final, a decisão judicial deu o nome Pink Floyd a Gilmour, Wright e Mason, mas os ícones como o prisma, o muro, o porco inflável só poderiam ser usados por Waters.

Veio o disco “A Momentary Lapse of Reason” seguido de uma turnê. Sete anos mais tarde, mais um disco, “The Division Bell” e mais uma megaturnê que terminou em 1995. Em seguida começaram as perguntas sobre o futuro da banda. Desde então toda vez que Gilmour era perguntado sobre uma reunião ele desconversava ou deixava claro (muitas vezes de forma bem mal humorada) que não tinha planos.

Pink Floyd ao vivo na turnê The Division Bell 94/95
Pink Floyd ao vivo na turnê The Division Bell 94/95

Já nos anos 2000 Waters chamou para si a responsabilidade de seguir com o legado do Pink Floyd e realizou três turnês em 2001, 2006 e 2010 – as três passaram pelo Brasil – e nesse meio tempo em 2005 a tão sonhada reunião aconteceu com quatro músicas no concerto Live 8. E ficou por isso. A última esperança foi a participação de Gilmour na música Comfortably Numb durante um show na Inglaterra da reedição da turnê The Wall.

É claro que tudo pode acontecer, Gilmour, Waters e Mason (Richard Wright faleceu em 2011) podem resolver se reunir. Por um lado isso fará a alegria de muitos fãs, sobretudo os brasileiros, que nunca viram um show da banda por aqui (incluído o que vos digita), mas certamente não será essa a maior referência da banda que ficará para a posteridade.

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Gilmour deve estar imbuído do mesmo espírito. Não quer ser lembrado por ter feito, no final da carreira, já senil, uma turnê caça níqueis, burocrática, com uma banda que na prática já acabou apenas para ganhar mais “uns milhõezinhos” à custa de fãs apaixonados que se contentarão com qualquer migalha do passado glorioso. Esse é o risco que se corre quando se estende demais o período de atividade de uma banda, ou quando as atividades são retomadas depois de um longo hiato, como fez o The Police que saiu em turnê em 2007 após 25 anos do fim do grupo.

Enfim, a prorrogação do prazo de validade no rock depende de cada caso. No do Pink Floyd seria de fato melancólico. O ditado árabe que prega que não se deve voltar ao lugar onde um dia fomos felizes parece fazer todo o sentido para David Gilmour. Ele está com a razão. Descanse em paz, Pink Floyd. RIP – 1967-2015.

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2 thoughts on “Com fim do Pink Floyd, uma reflexão sobre a longevidade no rock

  1. Se tem data de validade? Eu acho relativo. Tem bandas que ficam melhores depois de velhas (vinte ou trinta anos depois), é o caso do Sonic Youth por exemplo, longe de ser um dinossauro do mainstream do rock também. Mas no caso do Pink Floyd é complicado, de um lado tem o Waters, quase implorando pra voltar e criar algo (não acredito que ele queira ser cover de si próprio ainda). Do outro tem o Gilmour, que assumiu a postura de dono da banda e prefere focar na carreira solo, com um som meio datado. Eu acho que daria “liga”, mas se não querem… paciência.

  2. Com as músicas eternizadas nas gravações acho que sempre vai existir uma procurar pela figura humana enquanto vivos, e daí cada um sua história.