Que Keith Richards é um sobrevivente todos sabem. Se houvesse uma hecatombe nuclear só sobreviveriam as baratas e ele. Há até memes na internet onde diz: “Vamos cuidar do planeta que deixaremos para Keith Richards”. Muitos não sabem, mas quem mantém a coisa funcionando nos Rolling Stones, mesmo que as composições não tenham a relevância de outrora, é Richards, para quem a banda é mais do que sua vida.
Em 1986, quando Mick Jagger declarou que não haveria turnê para divulgar o álbum “Dirty Work”, Richards o ameaçou de morte. E de fato, os Stones terminaram informalmente por três anos, quando Jagger cuidava de sua carreira solo que começou promissora, mas naufragou no segundo disco. Já Richards teve seu disco solo “Talk Is Cheap” aclamado pela crítica. Uma vingança e tanto.
Cercado de mitos e lendas (algumas inventadas por ele próprio), o guitarrista segue ostentando, aos 71 anos, seu status de ícone cool para uma quinta geração de jovens graças à sua música e sua mitologia. A nova estripulia de Richards é seu novo álbum, “Crosseyed Heart” (Mindless Records/2015) seu primeiro trabalho solo desde “Main Offender”, de 1992. O disco funciona como playground, onde espalha todas as suas influências musicais.
A música que abre os trabalhos é um blueszão que leva o nome do disco. O gênero musical sempre foi uma forte influência para o guitarrista e pode ser claramente sentido nas composições dos Stones desde o início. Lembrando que a banda começou fazendo covers de blues. Ela é emendada em ‘Heart Stopper’, que remete imediatamente à banda mais famosa de Richards, sobretudo nos últimos trabalhos, de “Voodoo Lounge” para cá. É um rock vigoroso, com viradas de bateria características de Charlie Watts. ‘Amnésia’ também segue pelo rock, mas em uma linha mais cadenciada, quase um reggae. Sem dúvida a letra é uma alusão à vida louca do Stone.
Em seguida vem ‘Blinded Heart’, com o estilo característico de baladas de Richards, tanto com os Stones quanto em trabalhos solo. A quinta faixa, ‘Trouble’, foi o primeiro single do disco lançado. É mais uma que remete ao trabalho dos Stones nos últimos álbuns, e também parece uma prima irmã de ‘Eileen’, de “Main Offender”. ‘Love Overdue’ é outra faixa do álbum que flerta com o Reggae, estilo além do blues que lhe é muito caro. ‘Nothing On Me’ e ‘Suspicious’ não são as mais inspiradas do álbum, mas mantêm a coesão.
Chega a hora de a casa cair em ‘Blues in the Morning’, rockão old school adornado por piano e metais, com gravação executada para soar velha. O objetivo foi atingido pois, alem de ter surtido um belo efeito vintage, deu bastante textura e peso ao som. Indicada para se ouvir em vinil. ‘Something For Nothing’ e ‘Illusion’ destacam vocais femininos. No caso da primeira, nos backings, e na segunda assumindo protagonismo junto com Richards. O clima de balada é mantido por ‘Just a Gift’, que possui levada jazzística e ‘Goodnight Irene’, que acena para o folk. Nela, a voz de Richards está mais para um anasalado dylanesque do para a sua característica aspereza.
A suingada ‘Substantial Damage’ faz lembrar ‘Can You Hear Me Knocking’, do clássico Sticky Finger de 1971, ou algumas faixas de Black & Blue de 1976, e tem uma base de guitarra precisa como argamassa. A balada ‘Lover’s Plea’ fecha o álbum, mas perde um pouco do brilho devido à semelhança com faixas anteriores.
“Crosseyed Heart” é um bom disco, dá para notar que Keith Richards se divertiu durante as gravações mas, com umas 3 ou 4 faixas a menos seria um álbum mais redondo e soaria menos redundante. Funciona como um belo aperitivo enquanto os Rolling Stones não gravam um álbum de inéditas, que segundo Richards acontecerá no ano que vem.
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